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Choro em filme sobre nada
NICK CAVE
para o "Independent on Sunday"
Um amigo me convidou para assistir a uma pré-estréia de um filme russo. Perguntei do que se tratava e ele disse: "Bem, nada acontece na verdade e então alguém
morre. Venha. Você vai amar".
Cheguei quando terminavam os
créditos de abertura. Dez minutos
depois, comecei a chorar silenciosamente e fiquei assim pelos 73
minutos do filme. Já havia chorado em filmes, mas não me lembro
de ter chorado tão forte em silêncio, sem pausa, todo o tempo.
Quando o filme terminou e as
luzes se acenderam, uma mulher
de olhos vermelhos sentada duas
fileiras atrás de mim jogou um
Kleenex na minha direção e perguntou se eu escreveria algo sobre
o filme para um jornal.
O filme se chama "Mother and
Son" e é dirigido por Aleksandr
Sokurov. Explora o último dia na
vida de uma mãe à beira da morte.
A mãe quer que seu filho leve-a
para um passeio, que envolve carregá-la por paisagens de sonho,
retornar à casa isolada, alimentá-la e colocá-la na cama.
Aí o filho sai para andar sozinho
e volta para descobrir que ela está
morta. O que testemunhamos nesse tempo é algo de tanta beleza e
tristeza que chorar, para mim, foi
a única resposta adequada.
"Mother and Son" é um filme
sobre morte e amor e graça. O
amor entre mãe e filho transcende
o amor comum por ser purificado
pela iminência da morte.
O tempo parece ter diminuído
respeitosamente numa velocidade
na qual um cuidadoso gesto de
amor pode passar por ele: nenhuma ação é apressada, pois isso
apenas iria adiantar a morte.
Eles parecem estranhos ao ambiente e despreocupados com o
mundo ao redor deles. Tudo que
existe são gestos de conforto, carinho, ternura. O filho escova os cabelos da mãe, alimenta-a com
uma mamadeira. A mãe responde
com carícias e cuidados. É um relacionamento, de certa forma, que
não deveria ser visto. É sagrado,
religioso, descomplicado.
É uma visão de humanidade que
se tornou transcendente de verdade; e ainda assim Sokurov deixa
comentários sobre a trágica natureza da morte. A morte está suspensa pesadamente sobre tudo,
entristecendo cada gesto.
Até a paisagem parece estar velando a partida próxima da mãe.
Aqui vemos a paixão, ocasionalmente refletindo a história da
Cristo: a paixão não da mãe à morte, mas do filho, não do que irá
morrer, mas do que irá ficar.
Os diálogos também parecem
estranhamente ineficazes, como
se o amor e a compreensão dos
protagonistas houvessem tornado
a linguagem desnecessária.
Há psicologia nas palavras, há
complicação e dor. Não há melhor
evidência disso que a conversa final, na qual discutem as razões para morrer e para viver. O diálogo é
fútil e cruel. E serve apenas para
reabrir os sentimentos de pena.
Diz a mãe: "É tão triste. De qualquer jeito, você ainda terá de sofrer por tudo que passei". "Dá
uma cochilada, mãe", diz o filho.
"Durma. Eu voltarei logo." Sai e
caminha na espantosa paisagem.
Nessas cenas, longas, quase sem
movimento, o filme alcança a altura da mais estonteante beleza.
As paisagens de Sokurov não
têm qualquer noção de realidade.
Suas cenas são transformadas em
telas cinematográficas, mais próximas da pintura que do cinema.
Essas vistas nascidas em sonho
lembram o trabalho daqueles pintores românticos alemães do início do século 19: em particular o de
Caspar David Friedrich.
A vastidão e o mistério dessa natureza tão elevada criam uma espiritualidade que não depende de
qualquer fórmula do cristianismo
tradicional. E o cuidado que Sukurov dá a essas cenas meticulosamente desenhadas reflete o cuidado que um personagem dispensa
ao outro -a devoção ao detalhe, o
carinho sem pressa, o amor.
A toda essa beleza é dada uma
velocidade, um espaço de tempo
ditado pela invasão da morte. Cada pedaço de ação, cada gesto
-lento, triste, importante, sagrado- dá ao espectador o tempo de
cair por seu encanto.
Assistindo ao filme, somos forçados a confrontar a inevitabilidade de nossa própria mortalidade e
a mortalidade dos outros. As emoções são despertadas dentro de
nós de uma maneira que o cinema
não conseguia há muito tempo.
Minha resposta inicial ao filme
foi derramar lágrimas pela tristeza
das coisas. E sua pulsação única
está dentro de mim desde então.
Tradução
Denise Bobadilha
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