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Próxima viagem de FHC será na maionese
FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha
Cada vez que um presidente
do Brasil viaja, o país viaja
com ele. Sua agenda é meticulosamente trabalhada para
que todos tenhamos uma lição
do líder, que nos aponta um
musical da Broadway, um ato
de repercussão na política nacional e, por que não?, uma foto que possa simbolizar a modernidade e o futuro risonho.
Algumas coisas escapam, como o lançamento de um novo
programa de estímulo ao consumo do álcool como combustível. Isso estava reservado
unicamente ao consumo externo, uma vez que, internamente, não se chegou a consenso.
Um dos assessores presidenciais explicou assim a decisão
bombástica: "Os quatro líderes
mundiais estariam presentes
ao encontro. Não podíamos falar abobrinhas. Tínhamos de
alcançar algum impacto."
A agenda, portanto, visa
sempre a impressionar os dois
públicos: interno e externo.
No caso da "foto oportunidade", os jornais noticiaram que
o presidente buscava um encontro com Tony Blair mas os
ingleses estavam querendo que
ele se encontrasse com um personagem menos importante do
governo. Foi preciso insistir no
encontro com o próprio Blair.
Os ingleses capitularam. Afinal, uma foto aqui outra ali é o
mínimo que se pode fazer com
um presidente, uma vez que
Blair posou com inúmeros turistas nas ruas de Amsterdã.
A importância do encontro é
simbólica. O presidente diz
que Blair executa as idéias do
governo brasileiro. Na verdade, Blair significa um passo
adiante em relação à fase idílica do governo liberal. O presidente quer ser o presente e o
futuro nesse gesto simbólico.
Quer ser Thatcher hoje e Blair
amanhã, monopolizando as
alternativas a ele mesmo.
Tudo bem, mas fica uma
ponta de tristeza. Essa parte
da agenda lembra os políticos
do interior que em Brasília
querem ter uma foto ao lado
dos líderes, na suposição de
que partilhar o mesmo espaço
cromático significa incorporar
as qualidades do outro.
Mais estranho ainda foi ver a
foto de Itamar perdido na
ONU e também os dois líderes
nacionais discutindo o futuro
de Minas e posando em cima
da ponte. Minas de Tomás Antônio Gonzaga a Darcy Ribeiro
é um lugar que revelou grandes intelectuais na política.
A hipótese de que o destino
político do Estado seja resolvido em cima da ponte em Nova
York por apenas dois homens
revela que alguma coisa está
profundamente errada por lá.
Aliás, outros indícios se acumulam, como por exemplo a
rebelião da Polícia Militar.
Nelson Rodrigues dizia que a
seleção nacional era a pátria
de chuteiras. O presidente fora
do Brasil é a pátria de passaporte. Assim como nos sentimos no direito de partilhar
com Zagallo a escalação de cada um de nossos craques, deveríamos poder influenciar também a agenda presidencial.
Talvez não tenhamos nunca
um presidente off-Broadway,
mas alguns princípios básicos
precisam ser mantidos: não fazer declarações para inglês ver
(novo programa do álcool),
não tomar grandes decisões
políticas nacionais fora do
Brasil nem batalhar fotos ao
lado de ninguém, pois encontros de líderes internacionais
acontecem porque são necessários, brotam de uma agenda
comum -fora disso estão sempre no limite do ridículo.
Não sei se esse leve constrangimento se deve aos movimentos do presidente ou à minúcia
com que os jornalistas os descrevem.
Não me lembro de ter lido
nunca relatos tão detalhados
sobre o cotidiano de líderes em
viagem. De um modo geral, cobre-se o discurso num encontro
internacional, contatos políticos de peso e, no máximo,
acompanha-se a primeira-dama a uma visita a um hospital
infantil. A cobertura das viagens presidenciais, para mim, é
um sobressalto.
Você acompanha o presidente em todos os seus lances. É
tudo tão detalhado que você
chega a se espantar de ter reais
no bolso e não dólares.
Você vai a um musical, janta
num restaurante (seguem-se
todos os pratos comidos, indicações sobre quem pagou,
quem não pagou) volta para o
hotel, congestiona a porta do
teatro com seguranças -enfim, viaja na maionese mediática, cuja receita é preparada
no próprio palácio presidencial. Os nova-iorquinos que
passavam diante da porta do
teatro, ao verem tantos fotógrafos, gritavam alegremente:
é a Madonna, é a Madonna.
Não deveriam ter dado a
idéia. Há sempre o perigo de,
numa próxima viagem, o presidente querer fazer uma visita
a Lourdes Maria, filha de Madonna.
Recentemente acenderam velas para ele em Lourdes, a basílica. Havia fotógrafos por todos os lados. Há uma grande
cobertura, mas não há uma
crítica de viagens no Brasil.
Se elas se reduzem a um espetáculo como qualquer outro,
mereciam o mesmo rigor com
que se analisam os filmes, álbuns e peças que entram e
saem de cartaz.
Onde estará o bonequinho
da crítica nessa última viagem
presidencial: aplaudindo, dormindo ou, simplesmente,
abandonando o cinema?
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