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CARLOS HEITOR CONY
A primeira vez e o harém das bananeiras
Outro dia, num programa dedicado a Luiz Carlos Prestes, ouvi o
depoimento assombroso do Fernando Morais. Disse ele, com sua
autoridade de pesquisador, que o
líder dos comunistas brasileiros só
transara com mulher aos 37 anos
de idade. Pelo relato do Fernando, ele não perguntara sobre a vida sexual de Prestes. Falando sobre a viagem marítima que fizera
com Olga, num camarote de primeira classe, Prestes admitiu que
dormira pela primeira vez com a
mulher.
Fernando insistiu, achando que
o entrevistado se referia ao fato de
ter transado com Olga pela primeira vez nessa viagem de navio.
Chegou a atirar na cara do Cavaleiro da Esperança o seu espanto:
""Mas o senhor tinha na época 37
anos, nunca transara antes?".
Luiz Carlos Prestes respondeu,
com firmeza: ""Olga foi minha primeira mulher!".
E não se tratava de homem apático diante da vida. Tanto que, em
seu segundo casamento, teve muitos filhos. Mas o exemplo de Prestes revela o quanto pode ser complicada essa primeira vez em que
um homem se vê diante da mulher e vai conhecê-la naquele sentido que, academicamente, se
chama de ""bíblico".
Wilson Cunha e Heloneida Studart lançaram, há tempos, um livro sobre a ""primeira vez", inspirados num best seller americano
que tinha o mesmo título e o mesmo intuito: uma série de depoimentos de pessoas famosas sobre
a transa original. O feminismo de
hoje faz muita marola sobre o assunto, achando que somente para
as mulheres essa primeira vez é
importante, geradora de traumas
etc.
Tudo é possível -dizia Machado de Assis. Conheci uma cidadã,
de nível superior, alta classe média, que temia atravessar o rubicão sexual por um simples motivo: pensava que o membro masculino fosse verde e gelatinoso, como certas cobras. Ficou pasma
quando teve a primeira experiência. Gostou. Mas nunca sentiu o
prazer que imaginava sentir.
Stendhal foi homem de muitas
paixões, meio platônicas, era um
mitômano que inventou a própria vida, inventou até um epitáfio falso para ele, declarando-se
milanês e italianizando seu nome
(Henri) para Arrigo. Seus biógrafos narram casos, alguns amores,
mas nenhum deles é explícito naquilo que poderíamos chamar de
""finalmente".
Gosto muito de um belíssimo livro sobre ele, ""Monsieur Moi-Même" e, honestamente, acho que
Stendhal foi um donzelão. Ao
contrário de Goethe, esse sim, começou cedo e acabou tarde, tardíssimo aliás. Nero também começou cedo, mas nem todo mundo tem a mãe que ele teve, que
não deixou para outra mulher a
primeira vez do filho.
No Brasil, temos poucos relatos
dignos de crédito -e digo isso
porque os depoimentos, que volta
e meia aparecem nas revistas e
jornais, são macetados, feitos para combinar com a imagem que
cada um criou para si. Até há bem
pouco tempo, toda a iniciação
masculina se consumia nos bordéis, que alguns chamavam de
""rendez-vous", outros de ""casas
de tolerância", mas hoje todo
mundo chama de puteiros.
No interior, a primeira vez costumava ser com animais, vacas,
éguas e cabras principalmente.
Na Sicília e na Grécia, as ovelhas
eram as preferidas pelos rapazes.
Em certa região da Calábria, as
galinhas também serviam para o
gasto.
Pulo da Sicília, da Grécia e da
Calábria para o Lins de Vasconcelos, bairro que se mistura com Vila Isabel, com o Engenho Novo e o
Méier -ou seja, a zona do agrião
onde, segundo os entendidos, nascem, vivem e morrem os verdadeiros cariocas.
Meninos urbanos evitavam relações com animais, mesmo porque era difícil encontrar uma vaca, uma égua ou cabra dando sopa por lá. Em compensação, havia
muitas bananeiras. Rara a casa
que não tinha quintal, e raríssimo
o quintal que não tinha bananeiras.
O negócio vinha de geração em
geração: fazia-se um buraco na
caule da bananeira. Um caule
macio, úmido, viscoso. Cada um
tinha sua própria bananeira, com
o buraco na altura e medida
apropriadas.
E as tardes do Lins de Vasconcelos, com aquela aragem perfumada que vinha da Boca do Mundo,
eram uma delícia. Havia sempre
um rádio nas vizinhanças tocando ""Flor do Asfalto" ou o ""Carinhoso", vem, vem, vem sentir o
calor dos lábios meus.
Agarrados nas bananeiras, gemendo, os guris se emulavam para ser o campeão, aquele que conseguia mais vezes o prazer.
Volta e meia, com o entusiasmo
dos mais empolgados, uma bananeira não resistia aos ataques e
tombava, como uma donzela estuprada no meio do mato cúmplice.
Eu era muito garoto para me
dedicar àquele passatempo. Mas
tinha um primo, Jerônimo, que
era o recordista de uma região
que incluía as bananeiras da rua
Barão de Bom Retiro, da Dona
Romana, da Cabuçu e da própria
Lins de Vasconcelos, que era a
""main street" local.
O primo possuía um canivete de
duas lâminas que infundia terror
e lhe garantia o poder sobre as bananeiras. Uma tarde, passou por
mim o filho de um vizinho, um
fraco abusado que invadira o harém e se metera a besta com uma
das bananeiras do Jerônimo. Estava coberto de sangue.
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