São Paulo, Sexta-feira, 30 de Julho de 1999
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CARLOS HEITOR CONY
A primeira vez e o harém das bananeiras

Outro dia, num programa dedicado a Luiz Carlos Prestes, ouvi o depoimento assombroso do Fernando Morais. Disse ele, com sua autoridade de pesquisador, que o líder dos comunistas brasileiros só transara com mulher aos 37 anos de idade. Pelo relato do Fernando, ele não perguntara sobre a vida sexual de Prestes. Falando sobre a viagem marítima que fizera com Olga, num camarote de primeira classe, Prestes admitiu que dormira pela primeira vez com a mulher.
Fernando insistiu, achando que o entrevistado se referia ao fato de ter transado com Olga pela primeira vez nessa viagem de navio. Chegou a atirar na cara do Cavaleiro da Esperança o seu espanto: ""Mas o senhor tinha na época 37 anos, nunca transara antes?". Luiz Carlos Prestes respondeu, com firmeza: ""Olga foi minha primeira mulher!".
E não se tratava de homem apático diante da vida. Tanto que, em seu segundo casamento, teve muitos filhos. Mas o exemplo de Prestes revela o quanto pode ser complicada essa primeira vez em que um homem se vê diante da mulher e vai conhecê-la naquele sentido que, academicamente, se chama de ""bíblico".
Wilson Cunha e Heloneida Studart lançaram, há tempos, um livro sobre a ""primeira vez", inspirados num best seller americano que tinha o mesmo título e o mesmo intuito: uma série de depoimentos de pessoas famosas sobre a transa original. O feminismo de hoje faz muita marola sobre o assunto, achando que somente para as mulheres essa primeira vez é importante, geradora de traumas etc.
Tudo é possível -dizia Machado de Assis. Conheci uma cidadã, de nível superior, alta classe média, que temia atravessar o rubicão sexual por um simples motivo: pensava que o membro masculino fosse verde e gelatinoso, como certas cobras. Ficou pasma quando teve a primeira experiência. Gostou. Mas nunca sentiu o prazer que imaginava sentir.
Stendhal foi homem de muitas paixões, meio platônicas, era um mitômano que inventou a própria vida, inventou até um epitáfio falso para ele, declarando-se milanês e italianizando seu nome (Henri) para Arrigo. Seus biógrafos narram casos, alguns amores, mas nenhum deles é explícito naquilo que poderíamos chamar de ""finalmente".
Gosto muito de um belíssimo livro sobre ele, ""Monsieur Moi-Même" e, honestamente, acho que Stendhal foi um donzelão. Ao contrário de Goethe, esse sim, começou cedo e acabou tarde, tardíssimo aliás. Nero também começou cedo, mas nem todo mundo tem a mãe que ele teve, que não deixou para outra mulher a primeira vez do filho.
No Brasil, temos poucos relatos dignos de crédito -e digo isso porque os depoimentos, que volta e meia aparecem nas revistas e jornais, são macetados, feitos para combinar com a imagem que cada um criou para si. Até há bem pouco tempo, toda a iniciação masculina se consumia nos bordéis, que alguns chamavam de ""rendez-vous", outros de ""casas de tolerância", mas hoje todo mundo chama de puteiros.
No interior, a primeira vez costumava ser com animais, vacas, éguas e cabras principalmente. Na Sicília e na Grécia, as ovelhas eram as preferidas pelos rapazes. Em certa região da Calábria, as galinhas também serviam para o gasto.
Pulo da Sicília, da Grécia e da Calábria para o Lins de Vasconcelos, bairro que se mistura com Vila Isabel, com o Engenho Novo e o Méier -ou seja, a zona do agrião onde, segundo os entendidos, nascem, vivem e morrem os verdadeiros cariocas.
Meninos urbanos evitavam relações com animais, mesmo porque era difícil encontrar uma vaca, uma égua ou cabra dando sopa por lá. Em compensação, havia muitas bananeiras. Rara a casa que não tinha quintal, e raríssimo o quintal que não tinha bananeiras.
O negócio vinha de geração em geração: fazia-se um buraco na caule da bananeira. Um caule macio, úmido, viscoso. Cada um tinha sua própria bananeira, com o buraco na altura e medida apropriadas.
E as tardes do Lins de Vasconcelos, com aquela aragem perfumada que vinha da Boca do Mundo, eram uma delícia. Havia sempre um rádio nas vizinhanças tocando ""Flor do Asfalto" ou o ""Carinhoso", vem, vem, vem sentir o calor dos lábios meus.
Agarrados nas bananeiras, gemendo, os guris se emulavam para ser o campeão, aquele que conseguia mais vezes o prazer.
Volta e meia, com o entusiasmo dos mais empolgados, uma bananeira não resistia aos ataques e tombava, como uma donzela estuprada no meio do mato cúmplice.
Eu era muito garoto para me dedicar àquele passatempo. Mas tinha um primo, Jerônimo, que era o recordista de uma região que incluía as bananeiras da rua Barão de Bom Retiro, da Dona Romana, da Cabuçu e da própria Lins de Vasconcelos, que era a ""main street" local.
O primo possuía um canivete de duas lâminas que infundia terror e lhe garantia o poder sobre as bananeiras. Uma tarde, passou por mim o filho de um vizinho, um fraco abusado que invadira o harém e se metera a besta com uma das bananeiras do Jerônimo. Estava coberto de sangue.


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