São Paulo, quinta-feira, 30 de agosto de 2001

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DANÇA-TEATRO

Além das quatro apresentações já programadas, coreógrafa alemã ganha sessão extra na próxima terça

Luzes ainda piscam no Brasil de Bausch

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não foi apenas o desejo da coreógrafa alemã Pina Bausch de realizar um espetáculo sobre o Brasil que fez com que a cidade de Wuppertal, sede de sua companhia, se tornasse um pouco verde e amarela.
A atual crise energética brasileira fez com que o próprio país se aproximasse da cidade alemã. "São Paulo está tão escura que nem a reconheço, parece Wuppertal no inverno, às 3h da manhã", disse anteontem à Folha o bailarino Michael Strecker.
Quando a companhia de Bausch esteve no Brasil para a criação da peça sobre o país -com estréia amanhã-, era Natal e o país vivia a overdose das luzinhas. O fato não passou despercebido pelos bailarinos, que transportaram ao palco cenas com as luzes. Ironicamente, o tema é até a foto de divulgação. Mais uma vez, a realidade traz novas leituras para a arte.
O espetáculo brasileiro não tem nome ainda. Pode ser que nunca tenha. A criação da coreógrafa sobre a cidade espanhola de Madri, de 92, não tem título até hoje.
"Quem espera encontrar um retrato do país vai ficar decepcionado", afirma a bailarina brasileira Regina Advento. "Num grupo tão diversificado, cada um viu o Brasil de uma forma, e Pina não gosta de nada que seja literal demais na hora da criação", disse ainda.
Advento dá um exemplo: "Uma das perguntas que Pina fez ao grupo foi para criar algo sobre a favela. Eu sou brasileira e nasci na favela, conheço a realidade. Como já estou acostumada ao seu método, lembrei das brigas de mulheres por homens e criei uma cena na qual duas bailarinas puxam os cabelos uma da outra, mas de maneira contida, e isto entrou para o espetáculo". A pedido da Folha, Advento e a coreana Na Young Kim reproduziram a cena numa rua de São Paulo, como pode ser visto na foto ao lado.

Superficial
Segundo o crítico Arnd Wesemann, editor da revista alemã de dança "TanzAktuel", em artigo publicado em junho passado, a peça é superficial por não abordar questões existenciais que antes habitavam as coreografias de Bausch. "Ela já trabalhou essas questões há 20 anos, agora Pina está em outra fase, muito mais visual", afirma Strecker, defendendo a coreógrafa.
Wesemann criticou ainda a imagem excessivamente positiva que Bausch fez do país, o que vários amigos da coreógrafa também têm questionado. A resposta é sempre a mesma: "O Brasil tem uma imagem muito negativa no exterior, com a violência e as crianças na rua. Eu não acho que deva, como européia, criticar essa situação. Prefiro apresentar o lado positivo, que também existe", disse a coreógrafa à Folha.
O curador da Bienal de Dança de Lyon, Guy Darmet, que visita o país em busca de companhias para a edição de 2002, cujo tema é a América Latina, critica a falta de personalidades fortes entre os bailarinos. "Houve uma renovação recente muito grande no grupo que afeta o conjunto", disse Darmet. "Entretanto Bausch continua uma ótima dramaturga, e o movimento, a dança é o destaque do espetáculo", afirmou ainda o curador, que já convidou a coreógrafa para levar a peça a Lyon, como parte da bienal.
O espetáculo, que teve estréia em maio passado, na Alemanha, chega aqui um pouco mais brasileiro. Isso porque a bailarina carioca Ruth Amarante, que não participou da criação da peça, substitui em São Paulo a australiana Julie Shanaham.
Será uma forte mudança. Shanaham tinha uma presença histérica no palco, sua característica marcante. Amarante transformará o papel, imprimindo tom delicado e sensual.
Há sete anos, Bausch cria espetáculos anuais apenas a partir de viagens, as co-produções com países como Portugal, Itália e Hungria. "É a fase mais leve de Pina, e a peça brasileira é o auge desse período", afirmou o crítico alemão Norbert Servos, na estréia do espetáculo em Wuppertal.
No próximo ano, a tendência pode ser interrompida. A coreógrafa volta a criar apenas a partir de seu estúdio em Wuppertal. E os bailarinos já colhem material.
Strecker, que visitou a mostra "Espelho Cego" no MAM paulista, adorou o vídeo "Dream", do inglês Hadrian Piggot, que explora uma relação erótica entre o artista e uma pia. Quem sabe o Brasil tenha sido a última escala na fase light da coreógrafa.


UMA PEÇA BRASILEIRA - De: Pina Bausch. Com: Tanztheater Wuppertal. Onde: teatro Alfa (rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, SP, tel. 0/xx/11/ 5693-4000). Quando: estréia amanhã, às 21h; sex., sáb., seg. e ter., às 21h; dom., às 18h. Quanto: de R$ 40 a R$ 150.


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