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LITERATURA
"MALDITOS PAULISTAS"
Romance de Marcos Rey, relançado pela Companhia das Letras, é uma homenagem à cidade
Por dentro dos ricos personagens de São Paulo
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
João Rubinado, pseudônimo
Adoniran Barbosa, está para o
samba paulistano o que Edmundo Donato, pseudônimo Marcos
Rey, está para a sua literatura:
poucos usaram e abusaram de
São Paulo como eles.
"Malditos Paulistas", relançado
pela Companhia das Letras, é
uma homenagem a esta cidade e
seus habitantes -apesar de ser
narrado por um carioca campeão
de frescobol e de se passar quase
todo numa mansão do Morumbi.
Raul já foi salva-vidas, cabo eleitoral e motorista. Sonha com um
belo emprego público, que atrelasse seu pequeno destino ao
grandioso futuro na nação. "Mas
à falta dum curso ginasial completo, cartuchos e pistolões, meu
nome nunca foi impresso no "Diário Oficial'", diz.
"Em São Paulo, enquanto
aprendia o novo idioma, trabalhei
numa casa de jogos eletrônicos",
conta, até se candidatar à vaga de
motorista de um bacana, um ex-fascista italiano, Paleardi, e surpreendentemente ganhá-la. Descobre que o anterior fora executado. Convive com uma dúzia de
outros empregados, e ganha Lucélia, a copeira digna de um "outdoor do Biotônico Fontoura".
"Lucélia não tinha muita beleza
e só lera o almanaque "A Saúde da
Mulher", mas seu físico compensava. Ao contrário das falsas magras, era uma falsa gorda, protótipo raro ainda não focalizado pelas
revistas "for man"."
Ele ganha a confiança dos cachorros da casa, flerta com a madame Paleardi e aos poucos descobre os verdadeiros negócios da
respeitável família. O autor entra
com facilidade nessas coletâneas
de citações. "A origem e educação
das pessoas estão impressas na
voz, por isso o afônico nunca é
digno de total confiança."
Rey vivia para seus personagens
e leitores e não para modinhas literárias. Seu estilo é contemporâneo. A narrativa caminha por entre a de um policial psicológico à
crônica, cruzando com a dramaturgia. Cada personagem tem um
perfil exato e econômico. Diálogos, uma exigência. As piadas,
uma constância.
Seu livro é para ser devorado até
a última linha. Nenhum proselitismo. Muito proseado. Há dezenas de referências da cidade, como um forró da Vila Sônia. Todos
têm aquele humor galhofado de
imigrantes italianos, marca da cidade. Todos querem subir na vida
trabalhando honestamente; na
medida do possível. Uma numerosa classe desbastada convive
com poucos cheios da grana.
A casa-grande e a senzala são espelhadas numa mansão e sua ala
de empregados.
Sua literatura adulta está sendo
relançada. "Memórias de um Gigolô" e "Ópera de Sabão" já foram. E uma constatação deve ser
feita: ele é muito melhor do que
dita parte da crítica. Ele é genial.
Sofreu preconceito devido à sua
vasta e bem-sucedida obra. Por
quê? Porque era vasta e bem-sucedida. O autor se profissionalizou num ofício do qual se espera a
incompreensão e o abandono.
Ele escreveu para ser adotado
em escolas. Lançou mais de 25 livros infanto-juvenis. "O Mistério
do Cinco Estrelas" vendeu mais
de 2 milhões de exemplares.
Foi durante anos um ídolo entre
ginasianos. Trabalhou em rádio,
publicidade, roteiros para pornochanchadas, televisão, como "Sítio do Picapau Amarelo", e até para Mazzaropi.
Durante oito anos, manteve
uma coluna semanal na "Veja São
Paulo". Filho de imigrantes italianos, Rey nasceu no Brás. Partiu
para a literatura depois de seu irmão, o escritor também bem-sucedido Mário Donato.
Seu livro de estréia, "Um Gato
no Triângulo", de 1953, levou pau
da crítica e vendeu pouco. Foi a
partir do segundo, "Café na Cama", que vendeu 30 mil cópias,
que ele se popularizou. Ao todo,
31 livros, que venderam quase 6
milhões de exemplares.
Morto em 1999, aos 74 anos, teve suas cinzas espalhadas pela cidade por um helicóptero. Rey é
"O" autor de São Paulo.
Seus narradores são os tipos que
ficam encostados no balcão do
Café Floresta, no Copan [como
ele costumava ficar], jogam conversa fora, relembram a boa São
Paulo e, depois, dão uma passadinha pela boate Love Story para
conferir. Conhece o tipo?
Malditos Paulistas
Autor: Marcos Rey
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 35 (280 págs.)
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