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São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2003

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CRÍTICA

Manifesto arquitetônico pop perdeu sua atualidade

GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA

O livro "Aprendendo com Las Vegas" é, goste-se ou não, literatura fundamental para o pensamento arquitetônico do século 20. Lançado em 1972, foi tomado como manifesto da pós-modernidade, no mesmo ano em que a ideologia moderna teria sido implodida junto com o conjunto residencial Pruitt-Igoe, em St. Louis (EUA).
Três décadas depois, o livro chega ao Brasil como um valioso documento, pois o seu maior interesse está no seu envelhecimento. Refiro-me à percepção crítica de uma importante transformação, que é despertada pela sua leitura. Pois a Las Vegas dos cassinos -um conjunto urbano espalhado ao longo de um corredor comercial no meio do deserto- está distante das paisagens que consideramos hoje pós-modernas, formadas por complexos de "shopping malls" -espaços que replicam em ambiente controlado a multiplicidade das cidades.
Essa distância é a melhor baliza para ler o livro hoje, pois descreve uma mudança também verificável na própria Las Vegas. Avesso às críticas moralistas e consciente de que um modelo de cidade decorre do outro, Venturi diz, no posfácio, ser essa mudança uma "evolução". Mas, em outra ocasião, admite: "Isso tornou Las Vegas menos relevante".
Essa ambiguidade é a chave para uma avaliação retrospectiva. Pois, pensado como um ataque às "simplificações" modernistas, o livro propunha uma abertura para o léxico do novo "vernáculo comercial" das cidades americanas, afirmando ser essa iconografia urbana, e não mais os edifícios, a real emissora de significados na sociedade contemporânea.
Tal atitude se amparava numa aposta pop na legitimidade de um gosto supostamente popular e afinado à cultura de consumo, ironizando a necessidade de controle imposta pelos arquitetos. Para quem o encara com certa distância histórica e de fora dos EUA, é muito difícil aceitar como legítima essa dita "cultura popular".
Questão semelhante volta e meia se coloca em relação à arte pop: como é possível considerar crítica tamanha positividade? E, no entanto, não há nada na obra de Venturi equivalente às "cadeiras elétricas" ou aos "acidentes de automóvel" de Andy Warhol. Se sua aceitação irônica desse vernáculo desencantado se afinava à espontaneidade precária e algo "heróica" daquela Las Vegas, sua visão perdeu atualidade crítica. Esta, se transferiu para produções como a do crítico Vincent Scully e do arquiteto Rem Koolhaas.


Aprendendo com Las Vegas
   
Autores: Robert Venturi, Denise Scott Brown e Steven Izenour
Tradução: Pedro Maia Soares
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 39 (224 págs.)


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