São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 2000

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MÚSICA
Em seu segundo CD autoral, o cantor e compositor marca entrada na MPB e busca encontrar espaço no mercado
"São Paulo Rio" é nova ponte de Wisnik

Rossana Lana/Folha Imagem
O músico Zé Miguel Wisnik, que lança o CD "São Paulo Rio", à venda exclusivamente pela Internet


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 52 anos, o paulista Zé Miguel Wisnik só agora lança seu segundo disco autoral, com participações das cantoras Elza Soares e Jussara Silveira.
"São Paulo Rio" é o mais novo produto de sua trajetória, situada num arco que partiu do piano clássico, estudado desde que era criança, estabilizou-se na academia e acabou cedendo ao fascínio sempre exercido pela canção popular. O CD, independente, será vendido a princípio apenas pela Internet, no site do IG.
Mais conhecido como professor de literatura, Wisnik esteve na USP da rua Maria Antônia no epicentro das conturbações políticas/estudantis do final dos anos 60. De lá, foi elaborando seus conceitos de arte integrada, enquanto frequentava tanto peças do Teatro de Arena e Oficina quanto os festivais da canção e a revolução tropicalista.
"Havia muitas correntes, muitas formas de expressão em estado polêmico. Politicamente, era impensável não participar do que estava acontecendo na cultura. Havia relação entre as artes, o que para mim foi muito importante", lembra.
Participara como compositor de um festival universitário em 68, mas o pós-AI-5 encontrou-o em crise com o piano clássico e achando que não era músico. "Segui estudando literatura, na pós-graduação. Achei que não era mais um músico, não tinha projetos públicos com a música. Atravessei a década de 70 assim."
A reaproximação foi sendo feita aos poucos. "Fiquei amigo de Arrigo Barnabé, do pessoal do grupo Rumo. E me vi convivendo com músicos e fingindo que não era músico."
A virada de volta à canção começou quando artistas como Cida Moreira, Eliete Negreiros, Ná Ozzetti e, mais recentemente, Zizi Possi, Maria Bethânia e Gal Costa passaram a gravar composições suas. Consumou-se em 94, em seu primeiro disco, lançado pelo pequeno selo Camerati.
Novo ponto de compressão se deu recentemente, quando Wisnik inscreveu sua confessional canção "DNA" no Festival da Música Brasileira, da TV Globo, que a desclassificou numa semifinal.

Conflito
Wisnik reflete sobre o conflito do artista sem vínculos com o grande mercado fonográfico ter de recorrer à vitrine global para atrair atenção sobre si:
"Minha inscrição não se explica num nível só. Participei porque queria elevar o nível do festival da Globo e para pôr uma canção verticalmente íntima no mais horizontal dos mercados. Mas foi também o roteiro de alguém que sabia que ia lançar um disco em breve e buscava espaço".
O resultado da experiência? "O fato de haver um tratamento tão vulgarizador é revoltante, mas para qualquer pessoa de bom senso que assistisse ao festival, não só para mim. Acho que a Globo, inventando esse festival, criou uma armadilha para si mesma. Como fazer e não suportar que houvesse um espaço de escuta, bloqueá-la com aquelas entrevistas, dar a impressão de que o público já reagia a cada canção antes de ouvi-la?"
Ele voltaria a se inscrever? "Não, em hipótese alguma. A experiência já está feita e, por outro lado, duvido que a Globo abra um novo festival no próximo século. Eles estavam numa enrascada, tanto que encerraram o assunto logo depois que o festival terminou."
Por fim, fala sobre o espaço que lhe seria destinado na colcha da MPB, hoje algo impeditiva a trabalhos mais elaborados: "Acho que meu espaço não está determinado, mas acredito que há uma demanda reprimida -ou deprimida- a esse tipo de trabalho no mercado".
"Não acho pouco ter uma música cantada por Elza Soares, em que ela possa se mostrar na força que tem. Se não fosse por mais nada, esse disco tem Elza numa das faces de grandeza dela. Mas isso não é simplesmente obra de um diletante, é uma entrada na MPB. Eu me sinto dentro dela", diz.


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