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CINEMA
Cineasta israelense é homenageado com exposição de fotos, lançamento de livro e retrospectiva de seus filmes na Mostra
Amos Gitai arquiteta sua história na tela
CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
No saguão do hotel, uma cena
que parecia um sonho cinéfilo:
três senhores trocavam idéias.
Eram apenas o iraniano Abbas
Kiarostami, o português Manoel
de Oliveira e o israelense Amos
Gitai. Do sonho à realidade, a reportagem pôde ficar a sós com o
israelense, que abordou, em entrevista exclusiva para a Folha, alguns de seus temas de interesse
como realizador (Estado de Israel,
a guerra, a morte) e, com carinho,
falou de Sam Fuller.
A MORTE
A morte é um elemento muito entranhado na concepção judaica,
daí seu eco no meu cinema. Um
exemplo é a gramática. No hebraico, o presente, muito condensado, é só uma transição entre o
pretérito e o futuro. O judaísmo
sempre olha para o passado, mas
também para o que ainda não foi
feito, para o que vem - o Messias, por exemplo- e, conseqüentemente, para a morte. Tive
uma experiência profunda com
morte. Em 1973, no Yom Kippur,
eu era soldado. Meu helicóptero
foi bombardeado e quase morri.
Eu fazia arquitetura e fui filmar.
ARQUITETURA
A arquitetura tem muito a ver
com o cinema. Ambos consistem
em processos iniciados mentalmente e através do texto, mas
concluídos com a construção de
algo, ou com a transformação em
imagens. Documentários, porém,
são arqueologia: você tem de escavar. Às vezes, surge um objeto
imprevisto que muda a pesquisa.
PROJETO ISRAELENSE
Essencialmente, o projeto de Israel é interessante, porque coloca
os judeus ligados à realidade. Os
judeus não são mais "tema" da
história, nos extermínios, nas perseguições. Ao contrário, modelam seu próprio destino, o que
implica em enganos, falhas. Entra-se no domínio das contradições, e a mais complicada está associada a como como gerir o poder, do ponto de vista político e
militar. E usar o poder contra os
outros é como um veneno, que
vai te intoxicar. Os judeus devem
estar prontos para ver criticada a
forma de gerência. Eu exercito,
em meus filmes, essa crítica, que é
apenas um reflexo de amor.
UTOPIA
Os meus avós eram russos socialistas, queriam construir a utopia: os kibutz, o socialismo dos
sonhos. Minha mãe, que nasceu
em 1909, não chorava pelas coisas
que aconteceram, mas por aquelas que poderiam ter acontecido.
As coisas escaparam do projeto
original israelense. Muito deu errado, houve a brutalização da utopia. Mas há de se olhar para o futuro. Ele pode trazer surpresas como reconciliação e reconstrução.
CINEASTA DA HISTÓRIA
Procuro representar em tela esse enredo histórico chamado Israel. Me sinto, desde 1973, como
uma testemunha. Fassbinder,
Ford, Rossellini, cineastas que eu
admiro muito, estiveram muito
ligados a esse tipo de processo.
SAM FULLER E A GUERRA
Em Paris, onde morei nos 80, estava Samuel Fuller, que acabou
participando de dois filmes meus.
Sam disse, um dia, que eu deveria
filmar o que vivi na guerra. "Mas
isso daria um filme de gênero, de
guerra, com o qual não estou habituado", respondi. Ele retrucou:
"Amos, não olhe para o cinema,
olhe para sua própria experiência,
e filmar ainda será ótima terapia".
Na guerra, nunca se sabe o que
está acontecendo. O cotidiano é
totalmente modificado, violentado. Me nutri do espírito Fuller de
retrato do sentimento do caos.
Sam foi quem melhor representou a experiência de guerra.
Hollywood, diferente, vê a guerra como uma instituição suntuosa, com componentes de glamour. Só que guerra é sobre destruir o ser humano.
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