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"APRILE"
da Redação
"Aprile" mostra como uma comédia pode ser feita quebrando
as fronteiras entre ficção e documentário. Se o riso tem sempre
um significado social -já dizia
um especialista no assunto, o filósofo Henri Bergson-, Nanni
Moretti vai com os olhos postos
na sociedade extrair o trágico, o
cômico e o sublime do banal.
O diretor retoma o que havia
começado em "Caro Diário", de
1993, ao apresentar reflexões sobre o cinema e a criação a partir
do nascimento de seu primeiro filho. Moretti se divide entre o desejo de fazer um musical dos anos
50, cujo protagonista é um caricato doceiro trotskista, e um documentário político sobre as eleições em seu país, Itália.
Tudo sob a espreita do nascimento de seu filho. Pretexto ideal
para o diretor adiar constantemente as filmagens, o que gera situações das mais engraçadas, como as longas discussões pela escolha do nome do bebê, sua futura profissão, a necessidade de introduzi-lo ao cinema (isso antes
mesmo de nascer), levando a mãe
a sessões especiais. Há ainda a esquizofrenia do pai com o ritual do
parto, o primeiro banho e as roupas. Em plena discussão sobre os
rumos do documentário com a
equipe, Moretti desiste das gravações para ver a primeira amamentação do filho. São situações
de humor leve e cotidiano, que
Moretti representa com carisma.
O filme se constrói sob a ambivalência entre o desejo de ficção e
a necessidade documental. A cena inicial mostra a vitória de Berlusconi, o grande patrono da televisão comercial italiana, em 28 de
março de 1994. Abre-se aí uma
outra discussão importante no filme: a busca pela realidade na era
da reprodução das mídias -o vazio dos discursos políticos, seja de
esquerda, seja de direita, as notícias da imprensa e a perda do valor cognitivo das palavras.
Para compor o documentário,
Moretti faz uma longa pesquisa,
recortando, colando e separando
notícias de jornal. Acaba por descobrir que os textos são tão clones
que o único fim desejável é o de
servir como cobertor, o que faz de
fato, compondo uma "colagem
pop" -símbolo da crise das palavras e das ideologias.
Qual o significado de ser de esquerda ou de direita hoje? Um dos
personagens do filme, um jornalista francês, diz que a situação
política da Itália é "pitoresca":
"Uma democracia com um partido fascista no governo".
Mas o descontentamento com a
esquerda também é nítido no filme. O diretor retrata a inconstância do PDS (Partido Democrático
de Esquerda), que fecha os olhos
para as minorias na Itália (exemplo da bela sequência documental
em que registra o navio de refugiados albaneses, em 1997). Visão
moral que aproxima Moretti da
tradição de Pasolini e Rossellini.
Na impossibilidade de politicamente filmar a política, Moretti
opta pela comédia musical e faz
de "Aprile" um caleidoscópio, em
que todas as esferas estão presentes: do pai ao cineasta, do cidadão
que envelhece à infância que ressurge, dos projetos que se vão e
dos eternos por vir, do íntimo ao
social. Um belíssimo filme, paradoxal, de cortes efêmeros, um
"work in progress", como a própria vida.
(SG)
Avaliação:
Lançamento: Aprile
Título original: Aprile
Produção: Itália, 1998
Distribuidora: Cult
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