São Paulo, sexta, 31 de janeiro de 1997.

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Diretor descarta o terror

da Reportagem Local

O que há de mais assustador em ``Crash'', aceitando a ultrapassada idéia de que David Cronenberg é o cineasta do terror, não é seu mergulho em uma obsessão incomum. É, enfim, a possibilidade de estarmos diante de uma revelação.
Diretor de uma radicalidade perturbadora, Cronenberg divide com o escritor J.G Ballard -um dos mestres de uma literatura da distopia urbana- uma desconfiança do mundo.
``Crash'' -a fantástica história de pessoas sexualmente motivadas por carros e acidentes- o coloca finalmente diante de uma certeza.
Não é mais necessário a fantasia de ``A Mosca'' ou ``Videodrome'' para prosseguir em sua tentativa de expor a psicologia do novo homem, o ser transformado pelos objetos que cria. Cronenberg precisa apenas de um centro urbano.
Ballard (o personagem é homônimo do romancista porque ``as fantasias eram minhas e ele merecia o meu nome'') divide com sua mulher a busca desesperada do prazer físico em que o orgasmo não é uma consequência natural, mas o prêmio violentamente furtado de um outro.
Em consequência de uma batida com seu automóvel, Ballard (o ator James Spader, soberbo) conhece uma mulher que o conduzirá ao reino de pessoas fascinadas por carros e que constroem uma estreita relação entre o objeto mecânico, o prazer e a morte.
Em uma certa altura do filme um personagem anuncia que seu trabalho é ``entender as transformações físicas do corpo depois da máquina'' para, mais tarde, contar que isso é apenas ``uma maneira de atrair e testar os novatos'' para sua verdadeira causa: a libertação espiritual pela tecnologia.
Durante anos Cronenberg fez algo semelhante com seus espectadores, usando artifícios para suas razões. Ele deve nos mostrar o lugar em que vivemos e em que tipo de pessoas nos tornamos.
Assim, ``Crash'' não admite uma crítica moral, voltada contra os exageros que -para muitos- roçam a pornografia.
Cronenberg vive uma batalha (por isso em seu filme os corpos não se encontram, mas se submetem à coreografia do choque). E fará tudo para provar sua verdade, como nesse filme irresistível.

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