São Paulo, Quarta-feira, 31 de Março de 1999
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Cuba seja aqui


Músicos veteranos furam bloqueio e vendem 2 milhões de discos; Compay Segundo, González e All Stars tocam no Brasil


CARLOS CALADO
especial para a Folha

Nem eles mesmos sonharam que chegariam tão longe. Com os 2 milhões de cópias vendidas do álbum "Buena Vista Social Club", um grupo de veteranos músicos cubanos conseguiu furar o bloqueio econômico e cultural imposto pelos Estados Unidos.
Desde os anos 50 a música cubana não conquistava tamanho sucesso internacional. Depois de disputadas turnês pela Europa e pela América do Norte, o cantor Compay Segundo, 91, o pianista e compositor Rubén González, 79, e a banda Afro-Cuban All Stars desembarcam pela primeira vez no Brasil, na próxima semana.
Além dos shows que farão no festival Heineken Concerts (dia 6, no Canecão do Rio; e dia 9, no Tom Brasil, em São Paulo), eles também entram oficialmente no mercado brasileiro. A Warner aproveita a ocasião para lançar um pacote com cinco CDs desses músicos (leia texto nesta página).
Mentor do grupo, o produtor, arranjador e violonista Juan de Marcos González, 44, falou à Folha, por telefone, de Havana. Revelou que o segundo CD dos Afro-Cuban All Stars está quase pronto e que a banda vai mostrar material inédito no Heineken Concerts.

Folha - Vocês esperavam que o álbum "Buena Vista Social Club" fizesse tamanho sucesso?
Juan de Marcos González -
Bem, eu já sabia que os três discos que gravamos em 1996 (os outros são "A Toda Cuba le Gusta" e "Introducing... Rubén González") teriam algum êxito. Primeiro, porque estávamos rompendo o esquema convencional da música cubana moderna. Depois, porque a gravadora iria investir dinheiro suficiente para promover esses discos. Mas, sinceramente, nunca pensei que venderíamos tanto quanto um disco pop. É um fenômeno difícil de ser repetido.
Folha - Como você explica toda essa repercussão?
González -
Acho que isso aconteceu num momento favorável. Sobretudo na Europa e nos EUA as pessoas têm uma vida muito agitada e necessitam de momentos de relaxamento. Acho que nossos discos conseguiram ocupar esse espaço, porque podem ser facilmente assimilados por não-latinos. Quando tocamos no Carnegie Hall, em Nova York, não havia quase latinos na platéia, porque eles não podem pagar o preço dos ingressos. Na Europa, aconteceu algo semelhante: a maioria do público era branca e de classe média. Acho que o mercado para a música cubana está se ampliando.
Folha - O que você tinha em mente quando formou a banda Afro-Cuban All Stars?
González -
Era um projeto que já existia há pelo menos dez anos. Eu penso que a música moderna de Cuba tem fusões em demasia. Ela se funde com elementos do pop, do rock, do techno, do jazz. Por isso eu queria fazer um disco de tributo à música cubana dos anos 50, buscando o som das grandes orquestras. Para homenageá-las, eu queria utilizar um elenco de grandes astros daquela época, que ainda estavam vivos -muitos deles já aposentados. Apresentei a idéia à World Circuit e entramos em estúdio, na primavera de 1996.
Folha - Qual foi o papel do guitarrista norte-americano Ry Cooder nesse projeto?
González -
Uma parte da imprensa tratou Ry Cooder como uma espécie de Cristóvão Colombo, como um descobridor. Foi um caso parecido com o de Paul Simon. Quem sugeriu chamá-lo foi Nick Gold, presidente da World Circuit. Cooder é um músico excelente, mas não teve nada a ver com o projeto original. Eu reuni os músicos, preparei o repertório e escrevi os arranjos. Ele só fez a produção.
Folha - Os músicos cubanos de sua geração, ou mais jovens, estão mais envolvidos com a salsa ou com o jazz afro-cubano. O que o levou a seguir outro caminho?
González -
Eu fui hippie quando era jovem. Gostava muito da música pop norte-americana e comecei tocando guitarra, em bandas de rock. Porém, em 1976, eu me dei conta de que a música cubana era muito grande e de que eu devia fazer algo por ela. Assim, passei a estudá-la e fundei uma banda de "son", a Sierra Maestra. Acho que a música pode evoluir e assimilar valores universais, mas deve conservar suas raízes, senão acaba se deformando. Daí vem meu interesse pelo "son".
Folha - É possível dizer que o "son" desempenha, na música cubana, papel semelhante ao que o blues assume na música norte-americana ou o que o samba exerce na música brasileira?
González -
Exatamente. Você pode fazer um samba mais moderno, acrescentando sintetizadores ou usando uma orquestração sinfônica. Porém a raiz continua a ser a mesma. O "son" é como o samba na música brasileira. Você pode modernizá-lo, do ponto de vista formal, mas sua essência, que é a síncopa, permanece.
Folha - Vocês já estão planejando outro disco?
González -
Já está gravado. Só falta mixar uma faixa. Várias gravadoras me convidaram a fazer um "Buena Vista Social Club Nº 2", mas eu não acredito que esse êxito possa ser repetido. O novo disco é muito mais moderno e amplo. Tem um som mais atual, mas a base continua a ser o "son". Deve se chamar "Distinto". Vamos tocar pelo menos dois temas do novo disco aí no Brasil.
Folha - Você tem afinidades com a música brasileira?
González -
Sim, escuto sempre Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Maria Bethânia. Também adoro batucada. No ano passado, fiz três concertos junto com o Olodum, na Alemanha. O tratamento harmônico na música cubana é muito parecido com o da música brasileira. Há muito em comum entre essas músicas.
Folha - Dizzy Gillespie disse que as músicas de Cuba, do Brasil e dos EUA vão se fundir no futuro. O que você pensa dessa previsão?
González -
Me parece certa. Há muitos pontos em comum nessas músicas. A música norte-americana tem cada vez mais influências da cubana, assim como da brasileira. Hoje, em Cuba, por exemplo, se faz muito rap, só que mesclado com música cubana. Não acho que elas vão se fundir em um único som, mas sim que as inter-relações tendem a aumentar cada vez mais.


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