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GASTRONOMIA
A comida contaminada de cada dia
GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Curtindo esse livro excelente de Ariovaldo Franco, pude
comprovar que está na comida o
problema fundamental do nosso
tempo. Não apenas a falta de calorias ou a fome, mas a qualidade
do rango. Come-se cada vez pior.
Comer é uma atividade reveladora da essência da civilização.
O leitor poderá se interessar pelo aspecto histórico do alimento e
a maneira de comê-lo, desde os
primórdios da caça ao fast food;
mas o que mais chamou a atenção
foi a não-sintonia entre o progresso material e o padrão alimentar.
Isso porque ficou complicada a situação dos alimentos industrializados a partir do século 19.
A modernidade é também problemática do ponto de vista da
nutrição. Grande indústria. Concentração de gentes nas cidades.
A necessidade de conservar os alimentos e seu transporte. O enlatado. A pasteurização. E com isso a
adulteração dos alimentos, cujas
causas estão vinculadas ao sistema de produção de mercadorias.
Engels, em livro famoso sobre a
classe operária na Inglaterra, de
1840, já denunciava o capitalismo
como fenômeno gastrointestinal.
De lá para cá vivemos sob o signo
de um complexo gastrocapitalismo predador. Chá com folha de
batata. Leite com água e giz de pó.
No final do século 19, a manteiga seria substituída pela margarina aditivada, marco da desvalorização das matérias-primas nos
alimentos, os quais perderão suas
virtudes nutritivas com a crescente maquinaria industrial.
O século 20 é o século da internacionalização dos alimentos, ou
seja: a "macdonaldização" globalizada. Que é, no plano alimentar,
a mistura de Taylor com Ford. A
malandragem da "macdonaldização" consiste em "substituir a
maior parte possível do trabalho
assalariado pelo trabalho da própria clientela".
Fast food é sinônimo de "macdonaldização" planetária. Refeição desritualizada. Ocaso da conversa. Ausência de emoções. O tamanho é documento com produto big e super. O sanduíche viciado. Divórcio do garfo e da faca.
Fingerfood. Desaparecimento da
refeição familiar. Generaliza-se a
pressa em comer, ou senão a comida solitária com forno microondas. O onanismo alimentar.
A agroindústria informatizada
com bombardeios genéticos é
uma espécie de Hiroshima na
agricultura. Frangos biônicos,
porcos obesos, vacina para aumentar a fome dos animais e aves
cheias de antibióticos.
O gado alimentado com rações
de animais de matadouros gera a
doença da vaca louca, conhecida
pelo nome medonho de "encefalopatia espongiforme bovina".
O engordamento precoce do gado. As toxinas. As doenças degenerativas. O câncer. Os produtos
adoçantes na mesa. A esquizofrenia diet. A paranóia colesterol. O
supermercado convertido em
templo do consumo. A nutrição
videogame. Os seus cardápios
neoliberais. A desqualificação das
matérias-primas na comida, a
desnaturalização dos alimentos.
Ao mercantilismo industrial da
alimentação acrescente-se a fúria
oligopólica dos fabricantes de remédios, aí então o patético quadro da simbiose do supermercado com a drogaria estará completo e eloquente. É nesse contexto
que a ciência médica não mais poderá se valer do alimento como
fator de cura das enfermidades.
O século 21 acena com a perspectiva da comida envenenada.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é
professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda".
De Caçador a Gourmet: Uma
História da Gastronomia
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Ariovaldo Franco
Editora: Senac São Paulo, 2001
Quanto: R$ 30 (260 págs.)
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