São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 2002

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MEMÓRIA

Da política ao samba, foi um polivalente

CARLOS RENNÓ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A tor, autor e compositor, Mário Lago foi um dos principais casos de polivalência no cenário artístico brasileiro do século 20. Mais conhecido nas últimas décadas por seus trabalhos nos meios televisivo e musical, teve antes uma destacada atuação no rádio e no teatro, além do cinema.
Paralelamente, tornou-se um nome no campo político, como militante do partido comunista. Nascido e criado na Lapa, no Rio de Janeiro, absorveu influências marcantes no meio familiar. O pai era maestro, autor de operetas de sucesso. O avô, anarquista, ex-combatente nas tropas de Garibaldi na Itália. Música e política começaram a seduzi-lo em casa.
Para fazer a vontade da mãe, que não gostava de samba nem de negros, o menino Mário Lago estudou piano com a mulher de Villa-Lobos, Lucília. Mas decidiu abandonar o instrumento na noite em que, embasbacado, assistiu a um concerto de Arthur Rubinstein no Rio, em 1924. Daí para a música popular -e para a Lapa noturna dos bordéis, bares e cabarés- foi questão de tempo.
Data dessa fase seu envolvimento com a bailarina Ceci, o grande amor do compositor Noel Rosa. Mário a "roubou" dele. Mas -anos depois, em 1947- acabou se casando com uma militante, Zeli Cordeiro, filha de um dirigente do PCB. O casamento pôs fim à boemia e iniciou uma relação que lhe daria filhos e duraria para o resto da vida.
Formado em direito, Mário não exerceu a profissão mais do que três meses. Ainda jovem, começou a escrever para o teatro de revista, gênero no qual criou peças de sucesso. Nesse meio, começou sua associação com o pianista e compositor Custódio Mesquita, um de seus principais parceiros (o outro seria Ataufo Alves).
Mário Lago fez as letras de dois clássicos com nomes de mulher: "Aurora", com Roberto Roberti que Carmen Miranda popularizou nos EUA, e "Ai, que Saudades da Amélia", samba com Ataufo Alves. Ao contrário do que se pensa, a música não teve inspiração em um caso de amor, mas em uma lavadeira da cantora Aracy de Almeida, conhecida por ser muito tolerante e compreensiva.
Na rádio Nacional do Rio, engajou-se na política sindical e liderou greves, como secretário do sindicato dos radialistas. Por essas e outras, foi preso várias vezes. Duas delas, em momentos históricos da política nacional: em abril de 1964, logo após o golpe militar, e em dezembro de 1968, após a divulgação do AI-5.
Nessa época já havia atuado no cinema, inclusive em "Terra em Transe", de Glauber Rocha. E já trabalhava na televisão, em longa parceria com a Rede Globo.
Nas quase cem novelas e seriados de que participou, nutriu um gosto especial pela representação de tipos ligados ao poder. Acreditava que assim podia passar um visão crítica da sociedade.
O início de sua ligação com o PCB remonta ao período -nos anos 30- em que o partido era clandestino, e ele, o "companheiro Pádua". Lago se definia como "marxista autônomo rebelde".
A clareza e a serenidade que sempre o caracterizaram com certeza inspiraram Gilberto Gil, quando este lhe dedicou uma singela canção em 1996: "O Mar e o Lago". No ano seguinte, montou o espetáculo "Casos e Canções de Mário Lago". Em 1999, aos 88 anos, ainda apresentava o show.
No ano passado, Lago ainda teve fôlego para escrever um livro. Publicou, em 2001, "Reminiscências do Sol Quadrado" (editora Cosac & Naify), memórias do tempo em que ficou preso.


Carlos Rennó é jornalista e compositor


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