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São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 2003

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CORPO EM RISCO

Divulgação
O dançarino japonês de butô Yoshito Ohno, que estará no Brasil em setembro para o evento "Vestígios do Butô", em cena da coreografia "Mar Morto"



Mestre Yoshito Ohno encena no Brasil o butô "fundado na vida"


INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Vida e morte, sexualidade, metamorfoses: são temas recorrentes no butô. Surgido no final da década de 50 no Japão, o butô explora a consciência das transformações do corpo e sua relação com o ciclo da vida. Muda a perspectiva do olhar -o corpo em risco responde aos mais simples movimentos, com particular intensidade, no tempo e no espaço. Em setembro vem ao Brasil Yoshito Ohno, para o evento "Vestígios do Butô".
Yoshito, 65, é filho do mestre Kazuo Ohno (1906). Assim como seu pai, participou da origem histórica do butô, dançando em "Kinjiki" ("Cores Proibidas"), de Tatsumi Hijikata (1928-86). Esse é considerado o primeiro espetáculo de "ankoku butô" (dança das trevas) -mais tarde apenas butô ("bu", dança + "toh", pisar).
Na cena com pouca luz, um duo de Hijikata e Yoshito Ohno: torsos nus e cabeças raspadas, som da respiração, dos passos e gemidos de um ato sexual, espasmos e movimentos decompostos. O espetáculo provocou uma revolução, pela expressão direta da violência e da sexualidade. Punha em cena a mudança de expressão que ocorreu no Japão do pós-guerra.
Uma nova coreografia, "Florescerei para ti, Florescendo Orgulhosamente", terá estréia aqui, com a participação também de Akira Kasai. Yoshito Ohno respondeu, por e-mail, esta entrevista exclusiva para a Folha.
 

Folha - Que memória você tem do espetáculo "Kinjiki"?
Yoshito Ohno -
Quando começamos a ensaiar, Hijikata não explicou nada; me dizia somente "enrijeça o seu corpo e fique em pé", "ande, apenas". Estava perdido, pois era a primeira vez que fazia algo assim. Duvidava do que fosse, mas era capaz de segui-lo naturalmente. Depois perguntei o que a peça significava, e ele respondeu que era sobre um relacionamento.

Folha - O que mudou no butô?
Ohno -
A situação social é diferente. O Japão mudou drasticamente nessas décadas. Hijikata nasceu em Akita. O clima não era o mesmo de hoje -era mais frio e nevava. Hoje em dia ninguém morre de fome. O frio e a fome são elementos críticos para as pessoas pensarem no corpo. Hoje nossa relação com o corpo está enevoada. Também tínhamos complexo em relação ao corpo ocidental, o que desapareceu em muitos aspectos. O butô está numa situação muito difícil agora que suas bases quase desapareceram.

Folha - O que é crucial para alguém se tornar um "butoka"?
Ohno -
Hijikata me dizia nos anos 60: "Não é fácil viver a vida; se você não encarar as dificuldades, não estará qualificado para fazer butô". Acredito que isso é crucial. É também uma ideologia na nossa tradição: a arte deve ser fundada na vida, não na técnica.

Folha - Nos seus workshops, você chegou a desenvolver um método?
Ohno -
Sim, mas para iniciar um workshop, não preparo nada. Quero me concentrar no encontro com outro indivíduo. Isso deve ser o ponto de partida para fazer nascer algo. Busco a qualidade particular de cada pessoa.

Folha - Como é o seu trabalho com Akira Kasai?
Ohno -
Kasai é discípulo de Hijikata e Kazuo, como eu. Ele enfatiza a improvisação, enquanto eu estou mais interessado na forma.

Folha - Como está seu pai?
Ohno -
Ele dança todos os dias. Encontra pessoas e começa a dançar. Essa é sua vida. Assim ele continua sendo quem é. Quero agradecer a consideração de vocês por Kazuo. Eu adoro o Brasil.


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