São Paulo, sexta, 31 de julho de 1998

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Casca de cebola vira arte na prisão

IVAN FINOTTI
da Reportagem Local

"É uma cachoeira que inventei. Já estou craque nisso, em inventar paisagens que nunca vi." Magno Motta, que cumpre pena no Carandiru

Usando um toco de pincel já quase sem pêlos, o preso Magno Motta pinta cachoeiras e pássaros com a tinta que criou a partir da mistura de casca de cebola com vaselina. "Fica um ocre muito bonito, sabe?", diz Motta, na cela em que mora sozinho no quarto andar do Pavilhão 4 da Casa de Detenção do Carandiru.
A tela, aliás, quase sempre é feita de sarrafos de madeira de bancos velhos e lençol puído esticado. "Passo uma camada de látex por cima e pronto", ensina.
É dessa forma, com uma improvisação atrás da outra, que Motta, 49, foi construindo uma obra que já passou de cem quadros. "Até folha de mato já peguei para espremer aquele caldo verde e tentar usar na tela". Ficaria um verde bastante natural, "mas esse não deu certo".
A fórmula de Motta, não a do caldo verde, mas a da improvisação, é o que permite que os internos do sistema penitenciário continuem a criar. E, criando, a interpretar o mundo a partir de uma experiência em que a privação da liberdade física é quase total.
Enquanto Motta pinta, seus vizinhos do Pavilhão 5, que formam o grupo Detentos do Rap, lançam um CD gravado ali mesmo, dentro da Casa de Detenção.
"Apologia ao Crime", disco que estará nas lojas na próxima semana, exigiu um caminhão com estúdio móvel estacionado por dois dias no meio do Carandiru. Cabos saindo da carroceria do caminhão ligavam o equipamento de gravação ao microfone, que foi instalado no escritório onde os presos se reúnem com seus advogados.
Na Casa de Detenção Feminina do Tatuapé, dez presas trabalham em uma montagem da peça "Morte e Vida Severina". Dois vasos, uma moringa, tinta para roupas e R$ 50 é tudo que o sistema pôde oferecer ao grupo. A peça deve ser encenada nos dias 14 e 15 de agosto.



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