São Paulo, sexta, 31 de julho de 1998

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Detento vende obra por R$ 180

da Reportagem Local

"Nos anos 80, quando estava na Colônia Agrícola de Rio Preto, não tinha quem me trouxesse material de pintura. Passei a inventar o que dava."
Motta descobriu, então, que se deixasse casca de cebola em um pequeno pote com um pouco de água e sal, em três dias teria um líquido amarelo. "Misturei com vaselina de cabelo e saiu uma bela tinta óleo."
Mais fácil é quando ele põe as mãos em um saquinho de Ki-Suco. "Aí é só misturar na vaselina e já está pronto. Outras tintas são mais difíceis de fazer, como as que saem da beterraba e do morango, mas dão certo."
Aos 49 anos -27 deles preso devido a roubos, assaltos a bancos e fugas-, Motta passou por meia dúzia de penitenciárias e colônias agrícolas em várias cidades diferentes.
Hoje, como está preso em São Paulo, Motta tem a ajuda de sua mulher para lhe trazer o material -e levar para casa os quadros pintados durante a semana.
"O problema é preencher a Ordem de Entrada de Material. Depois, o documento precisa ser assinado duas vezes -pelo diretor do meu pavilhão ou pelo chefe de disciplina e também pelo diretor de Produção da Detenção. É demorado", conta.
Por isso, quando quer terminar logo uma obra -às vezes chega a pintar duas em uma única madrugada-, recorre a expedientes pouco usuais.
Sempre que usa esse tipo de tinta improvisada, Motta tem o cuidado de aplicar um acabamento especial para dar durabilidade ao quadro. Quando é tinta com vaselina, passa uma camada de verniz.
"Mas quando a tinta é acrílica, com base de água, é diferente. Afino cola branca misturando com água, coloco em um tubo de desodorante e vaporizo toda a tela. Depois, ainda passo verniz."
Tanto capricho tem sua razão: as telas que sua mulher não leva, Motta vende ali mesmo.
"Vendi esses dias um nu para um funcionário por R$ 180. Para os presos tem que ser mais barato, porque eles não tem dinheiro."
Nesse caso, a saída é rifar. O preço do sorteio, um maço de cigarros, é rapidamente consumido pelo próprio pintor.
"Na última rifa, tinha feito um quadro de Jesus Cristo. O vencedor era crente e me disse: "Não vou idolatrar esse cara. Faz outro, faz uma paisagem, uma cachoeira, uns passarinhos...'. Então estou fazendo esse aqui para ele. É uma cachoeira que inventei. Já estou craque nisso, em inventar paisagens que nunca vi."
Mas não são as paisagens nem as imagens religiosas as telas que Motta mais gosta de pintar.
"Meu estilo preferido é o abstrato", afirma. "Mas pra vender aqui, tem que ser mulher pelada ou natureza. O pessoal não entende coisas abstratas, me julgam meio maluco. Acham que a figura está mutilada". (IF)



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