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Viagem sentimental vibra em "Morangos Silvestres", de Bergman
CÁSSIO STARLING CARLOS
Editor-adjunto de Especiais
A visão retrospectiva de "Morangos Silvestres", realizado pelo
sueco Ingmar Bergman em 1958,
produz a impressão de que se está
diante do nascimento de um gênero: o "road movie" existencial, de
intensa e efêmera carreira, sobretudo nos anos 70.
Afinal, o filme se passa quase inteiramente no interior de um carro, durante uma viagem. O deslocamento físico do protagonista de
"Morangos Silvestres", contudo,
não passa de um simples motivo
de cinema inventado por Bergman
e copiado com sucesso e insucesso
por outros.
A viagem aqui é, antes de tudo,
mental. Daí a importância da voz
de Isak Borg, o protagonista -interpretado pelo imenso Viktor
Sjöstrom. Em primeira pessoa, da
primeira à última cena, é sua voz
que serve de guia ao espectador.
Na sua viagem, o que importa
não são as situações ou anedotas
do caminho, mas os sentimentos
que elas são capazes de despertar.
A juventude, o ciúme, a culpa, a
velhice e, acima de tudo, a morte
como seu grande destino vibram
em cada fotograma.
Outra forma indispensável de
emergência dos sentimentos no
filme são os sonhos do protagonista. O primeiro deles, com a rua
vazia, o relógio sem ponteiros, o
caixão com o próprio cadáver
dentro, conserva intacto, 40 anos
depois, seu poder de produzir calafrios com sua beleza mórbida.
Os outros sonhos ou devaneios,
dependendo da circunstância,
mostram que Bergman foi um dos
mais perfeitos tradutores daquele
tipo de experiência interior que
Proust levou às últimas consequências com seu "Em Busca do
Tempo Perdido".
A memória dos acontecimentos,
mais emoção que qualquer outra
coisa, emerge num momento de
repouso na relva. E basta saborear
um pequeno morango para que
tudo o que foi vivido retorne com
sua intensidade para atormentar o
sossego do velho Borg.
"Morangos Silvestres" foi feito,
segundo Bergman, como forma de
se vingar do próprio pai, mostrado aqui como o ranzinza e antipático Borg. Mas a escolha acidental
de Sjöstrom para o papel alterou o
rumo das coisas.
Lendário cineasta sueco, Sjöstrom é o diretor mais amado por
Bergman. O encontro dos dois,
portanto, converteu a vingança
em homenagem. "Personificando
o personagem de meu pai, ele ocupou meu espírito e fez daquilo tudo propriedade sua", escreveu
Bergman em "Imagens".
A justa homenagem está ali, no
fim, no rosto radiante de
Borg-Sjöstrom mirando a vida.
Filme: Morangos Silvestres
Produção: Suécia, 1958
Direção: Ingmar Bergman
Com: Viktor Sjöstrom, Gunnar Bjornstrand,
Ingrid Thulin, Bibi Andersson
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco de Cinema - sala 3
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