São Paulo, sexta, 31 de julho de 1998

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Viagem sentimental vibra em "Morangos Silvestres", de Bergman

CÁSSIO STARLING CARLOS
Editor-adjunto de Especiais

A visão retrospectiva de "Morangos Silvestres", realizado pelo sueco Ingmar Bergman em 1958, produz a impressão de que se está diante do nascimento de um gênero: o "road movie" existencial, de intensa e efêmera carreira, sobretudo nos anos 70.
Afinal, o filme se passa quase inteiramente no interior de um carro, durante uma viagem. O deslocamento físico do protagonista de "Morangos Silvestres", contudo, não passa de um simples motivo de cinema inventado por Bergman e copiado com sucesso e insucesso por outros.
A viagem aqui é, antes de tudo, mental. Daí a importância da voz de Isak Borg, o protagonista -interpretado pelo imenso Viktor Sjöstrom. Em primeira pessoa, da primeira à última cena, é sua voz que serve de guia ao espectador.
Na sua viagem, o que importa não são as situações ou anedotas do caminho, mas os sentimentos que elas são capazes de despertar.
A juventude, o ciúme, a culpa, a velhice e, acima de tudo, a morte como seu grande destino vibram em cada fotograma.
Outra forma indispensável de emergência dos sentimentos no filme são os sonhos do protagonista. O primeiro deles, com a rua vazia, o relógio sem ponteiros, o caixão com o próprio cadáver dentro, conserva intacto, 40 anos depois, seu poder de produzir calafrios com sua beleza mórbida.
Os outros sonhos ou devaneios, dependendo da circunstância, mostram que Bergman foi um dos mais perfeitos tradutores daquele tipo de experiência interior que Proust levou às últimas consequências com seu "Em Busca do Tempo Perdido".
A memória dos acontecimentos, mais emoção que qualquer outra coisa, emerge num momento de repouso na relva. E basta saborear um pequeno morango para que tudo o que foi vivido retorne com sua intensidade para atormentar o sossego do velho Borg.
"Morangos Silvestres" foi feito, segundo Bergman, como forma de se vingar do próprio pai, mostrado aqui como o ranzinza e antipático Borg. Mas a escolha acidental de Sjöstrom para o papel alterou o rumo das coisas.
Lendário cineasta sueco, Sjöstrom é o diretor mais amado por Bergman. O encontro dos dois, portanto, converteu a vingança em homenagem. "Personificando o personagem de meu pai, ele ocupou meu espírito e fez daquilo tudo propriedade sua", escreveu Bergman em "Imagens".
A justa homenagem está ali, no fim, no rosto radiante de Borg-Sjöstrom mirando a vida.

Filme: Morangos Silvestres Produção: Suécia, 1958 Direção: Ingmar Bergman Com: Viktor Sjöstrom, Gunnar Bjornstrand, Ingrid Thulin, Bibi Andersson Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco de Cinema - sala 3


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