São Paulo, sexta, 31 de julho de 1998

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"Sou Roberto Carlos"

Bel Pedrosa/Folha Imagem
Paulo Ricardo, cuja música "Dois" é primeiro lugar nas rádios, diz querer ocupar espaço de Enrique Iglesias



Paulo Ricardo volta às paradas com "Dois", parceria com Michael Sullivan que o leva a fazer shows em Rondônia e na periferia de São Paulo, e diz querer espaço de Enrique Iglesias e Laura Pausini


PAULO VIEIRA
enviado especial ao Rio

"Eu sei que eu/ eu queria estar contigo/ mas sei/ que não/ sei que não é permitido/ talvez/ se nós/ se nós tivéssemos fugido/ e ouvido a voz/ desse desconhecido/ o amor/ o amor/ o amor/ o amor."
Dado da Radiolink, instituto que mede execução de músicas nas emissoras de rádio brasileiras: "Dois", de Paulo Ricardo e Michael Sullivan, cujo refrão foi declinado acima, é primeiríssimo lugar nas emissoras de rádio de São Paulo, superando "Um Sonhador" (Leandro & Leonardo), "As Long as You Love Me" (Backstreet Boys) e "A Dança do ET" (ET e Rodolfo).
Paulo Ricardo concorda com o termo "ressurreição", usado por algumas publicações para definir sua volta ao topo das paradas. Desde o apogeu do RPM (85/86), quando vendeu 3 milhões de cópias, o cantor amarga insucessos de vendagem e execução de sucessivos discos solo e de uma tentativa de retornar com o RPM.
Ele já se preparava para contabilizar mais um fiasco, mas eis que "Dois" foi escolhida para acompanhar os passos de Billy, personagem de Fábio Jr. na novela "Corpo Dourado" (Globo, 19h).
A faixa puxou "O Amor me Escolheu" ao patamar das 250 mil cópias vendidas.
O cantor agora faz shows em Rondônia -três na semana que vem- e, em São Paulo, é mais bem recebido em casas populares como o Brasileirão e Fundão da Barra -faz shows em ambas amanhã-, que no Tom Brasil.
Dizendo querer ocupar um lugar no mercado fonográfico nacional tomado por estrangeiros como Eros Ramazotti e Enrique Iglesias, reclamando do termo brega ("brega não é gravar 'Raul Gil', é assisti-lo") que lhe foi pespegado, Paulo Ricardo recebeu a Folha num restaurante do Leblon para esta entrevista.

Folha - Por que você trocou o rock pelo repertório romântico?
Paulo Ricardo -
Eu insisti muito com o rock. Ficou muito claro no meu último disco o que as pessoas esperavam de mim, e não era hard rock. Legal o rock'n'roll, uau, mas eu queria mais, sou um cara de formação pop, não sou Made in Brazil.
Então fui me despindo da pele do rock e decidi privilegiar as baladas, tirar o preconceito de cima do romântico. Tirar sua ligação com o sertanejo, com o pagode, o brega.
Folha - Foi difícil livrar-se do rock?
Paulo Ricardo -
Eu sofri. Durante muito tempo na minha vida, o rock foi a minha ideologia, foi fundamental até para o meu encaixe social. Jamais vou dar as costas ao rock. Ele foi meu primeiro e segundo graus.
Agora, quando se entra no território de MPB, aí é coisa de adulto, não tem mais essas referências "bubble gum" do rock. É coisa séria, profissional. Música brasileira é Tom Jobim, Vinicius de Moraes, não é troço baseado em trejeitos, tiques.
Folha - O que você foi ouvir para tentar cantar "romântico"?
Paulo Ricardo -
Francisco Alves, Ataulfo Alves, Lupicinio. Não exatamente para ter uma influência direta, mas para entrar nesse ambiente. Queria saber o que falavam, e de que maneira. Não teria escrito as letras se não os tivesse ouvido.
Chico e Caetano são uma influência tremenda, mas nem sempre dá para saber o que eles querem dizer.
Folha - E quanto aos contemporâneos, Fábio Jr., Zé Augusto?
Paulo Ricardo -
O Fábio, o Fábio você ouve muito no rádio. Sempre disseram que eu seria seu sucessor. Mas ele é um cara de TV, acho que tenho mais afinidade com o Roberto Carlos, que, como eu, veio do rock. Ouvi sertanejos, o Leonardo é um puta cantor. O Zé (Augusto) ouvi também. E também os gringos, Luis Miguel, Ricky Martin, esses caras que vêm aqui e ocupam nosso espaço. Não posso admitir que o Enrique Iglesias faça mais sucesso do que os artistas brasileiros só por termos pudores de lidar com repertório romântico. Tenho afinidade com esse universo, mas sinto um tremendo preconceito contra alguém que quer fazer algo popular. Trabalhei com Michael Sullivan e não posso te dizer que não houve uma época em que eu pensava: "Porra, Michael Sullivan!". Quero quebrar isso, isso prejudica o Brasil.
Folha - Depois de demorar tanto a engatar, você ainda acreditava no sucesso do disco?
Paulo Ricardo -
Eu já tinha o disco seguinte pronto na minha cabeça. Depois da ascensão rápida do RPM, sabia que isso não iria se repetir, que qualquer outro êxito na minha carreira teria que ser disputado milímetro por milímetro.
Além do mais, eu era um cara com um desgaste tremendo, totalmente queimado. Diziam: "Paulo Ricardo não, pelo amor de Deus".
Folha - E agora, com o sucesso de volta, você se considera vingado de seus detratores?
Paulo Ricardo -
Depois de um ano com o disco lançado, trabalhando para cacete, não é agora que eu vou dizer "yeah". Eu me sinto agora meio zen, sereno. Estava cansado de picos, sucesso, fracasso. Mas não vou ficar alardeando minha vitória. A música romântica não tem esse ferrão. O objetivo desse disco não se resume a ele, é o objetivo de uma vida.
Folha - Mas dá para falar ao menos em vitória pessoal?
Paulo Ricardo -
Não. Ser campeão de execução, com dez inserções a mais que o segundo colocado, é comprovar uma percepção de que havia uma demanda reprimida. Senti isso também com o RPM. Como explicar um sucesso tão estrondoso? "Demorou", como diria o carioca. Demorou para vir uma banda de pop rock brasileiro, e todo mundo queria aquilo. O brasileiro é aberto à novidade.
Folha - Sua fase romântica é mais, digamos, verdadeira que a roqueira?
Paulo Ricardo -
Você pode até fazer rock'n'roll de mentira, mas não pode cantar música romântica de mentira. É interpretação, emoção, não são valores de revista, é troço que bate ou não bate. É para ouvir no rádio. E tem o seguinte: comecei a querer fazer música por causa do Roberto Carlos. Não pela bossa nova ou pelo Arrigo Barnabé. Com o RPM, uma banda em que eu estava quando tinha 20 anos, eu queria dizer exatamente aquelas coisas de revolução etc. Hoje em dia, estou mais velho, não tem mais essa de colocar o bagulhinho da última tendência para ficar "up to date" com os chapinhas da imprensa. Não tenho mais nada a ver com isso. Faço música de maneira mais emocional, desenho da melodia explodindo no refrão. Sob o manto do rock, você joga muita porcaria, mas com a música romântica não tem meia boca.
Folha - Você estava realmente disposto a enfrentar as consequências da adoção desse repertório, as críticas, os programas de TV populares...
Paulo Ricardo -
O RPM, por exemplo, nunca deixou de fazer TV, esse era mesmo um diferencial nosso de bandas como o Ira!, Legião, Capital. Eu sempre quis ser popular. Foi lindo ser capa do fanzine do Madame Satã, mas eu queria ser capa da "Manchete".
Nunca quis ser o Fugazzi, quero ser os Beatles. Então eu sempre fui "mainstream", sou Roberto Carlos em ritmo de aventura.
Folha - O que aconteceria com você, se o disco, como dava a entender, não tivesse o empurrão da novela e fracassasse?
Paulo Ricardo -
Eu provavelmente iria insistir no disco seguinte, talvez enxugando elementos. Tiraria as firulas que criaram os ruídos na comunicação direta, no potencial de emocionar.
Nunca quis que "Dois" batesse como coisa bizarra, como um híbrido de rock com romântico. Bryan Adams é rock romântico, está cheio de rock romântico por aí. Por que tem de vir um Eros Ramazotti, uma Laura Pausini ocupar esse espaço? Nossas bandas devem se limitar a fazer música para skatista?
O grande triunfo dessa minha música é o da forma. De fazer uma música popular brasileira romântica contemporânea. O sucesso diz que existe vontade de se ouvir romantismo com sonzão. Eu estou nos shows com um pacote de banda de rock, não com orquestra ou cantoras de backing vocal.
Folha - É sabido que o RPM ganhou muito dinheiro, mas vocês foram péssimos administradores. Diz-se que os quatro "cheiraram" a grana. Qual a verdade disso?
Paulo Ricardo -
Nunca gastei dinheiro com drogas, porque, quando você está por cima, todo mundo quer te "apresentar". Gastava uma mixaria. E era o mais light da banda. O "Jornal da Tarde" "matou" o PA numa matéria, e o cara está vivo, trabalhando. Tudo bem, era quem mais pegava pesado na cocaína, mas ele também não gastava dinheiro, morava com a mãe, não tinha filho.
O que mais queimou nosso dinheiro foi a gravadora que montamos, a RPM Discos. Fechávamos um estúdio por horas e horas só para remixar um negocinho. E ainda bem que não tocamos o segundo projeto da casa, um disco da Elza Soares produzido pelo Branco Mello. Mas vivíamos também muito bem. Comprei dúplex à vista, tinha uma cabine dupla, moto, viajei o mundo todo.
A maior parte da grana foi embora mesmo nessa maldita gravadora. Deus me livre. A gente queria fazer a Apple, só que a Apple não deu certo com os Beatles, como é que ia dar certo com a gente?
Você ainda alisa o cabelo?
Paulo Ricardo -
Nunca alisei o cabelo, eu uso gel, se não usar, ele fica mais enrolado. Alisei uma vez quando tinha 16 anos, o cabeleireiro propôs, mas fiquei parecendo um japonês. Nunca mais.



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