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TEATRO - CRÍTICAS
Latorraca brinca em farsa engenhosa
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
Talvez o autor, o jovem e talentoso Renato Modesto, nem saiba
de J.B. Priestley (embora tudo indique que sim, por tratar-se de alguém claramente interessado na
dramaturgia de língua inglesa),
mas "O Martelo" remete a "An
Inspector Calls".
É a mesma sinuosidade de
"thriller", também a mesma situação, até o mesmo "inspetor".
E Modesto sabe escrever para teatro. Escreveu em "O Martelo" o
que se chama "well-made play",
peça bem-feita, no gênero característico de Priestley.
As cenas são cuidadosamente arquitetadas e desenvolvidas, a
preocupação com a tensão é central, a trama é carregada de surpresas e reviravoltas, enfim, a
"carpintaria", como se diz, não
poderia ser mais consciente. Ainda assim, "O Martelo", escrito há
seis anos, bem merecia ser recomposto.
Suas melhores passagens, como
a "desconstrução" da personalidade de Pedro, chocam frontalmente com o realismo canhestro
das primeiras cenas -e depois
com o esforço de voltar à verossimilhança, no final. Ainda que seja
esse o propósito do dramaturgo,
esse choque, o resultado em cena
pede a depuração.
Sinopse: Pedro (Edílson Botelho) e Maria (Bárbara Bruno), casal traumatizado por um aborto
que tornou a mulher estéril, é avisado por um inspetor de polícia
(Ney Latorraca) que uma investigação de assassinatos em série leva
a Pedro, como suspeito principal.
A partir daí começam as surpresas
e a tensão citadas.
É engenhosa, mas, a exemplo de
"É o Fim do Mundo", a peça de
Modesto produzida em 96, funciona mais quando embarca de
vez na farsa, em lugar de perder-se
na ordenação ou nas frases de tese
-como "a realidade não é o que é
verdadeiro: a realidade é o que as
pessoas pensam".
(A frase ecoa um tema de hoje, a
dissolução da identidade na representação social, mas que só se realiza parcialmente, como arte, na
peça. Em tema semelhante, tomado em comparação, um romance
como "Teatro", de Bernardo
Carvalho, vai muito além.)
Para os seus 35 anos de carreira,
o ator Ney Latorraca talvez merecesse um personagem em que pudesse expor, menos a conhecida,
envolvente interpretação farsesca
-e mais as diversas faces de seu
talento de ator.
Como o inspetor ou como Pedro, na esquizofrenia cômica que é
o melhor de "O Martelo", o que
se tem é Latorraca tirando risadas
com esgares, com risadas esdrúxulas dele mesmo, com macetes,
enfim. Alguns deles já bem marcados, até em tipos de televisão, no
caso, de "TV Pirata".
O ator brinca com seu próprio
personagem público, como que
parodiando a si mesmo -e comemorando, de alguma maneira, a
carreira. Em tal caminho, tem ótimas cenas, apoiado nos altos do
texto, no que este tem de mais hilariante e "absurdo".
São cenas em que o público, como é próprio dos grandes comediantes, fica na sua mão. O ator
poderia parar, improvisar, conversar e -é o que parece- não
perderia o envolvimento e o riso
desenfreado do público. Mas Ney
Latorraca podia mais, certamente,
nesta comemoração.
Edílson Botelho e Bárbara Bruno, se não chegam a acompanhar
as estripulias farsescas do protagonista, estão bem -o primeiro
com um acento maior na caricatura, a segunda com maior aprofundamento emocional. São eles que
se obrigam mais, de todo modo, a
carregar as cenas de gordura realista em "O Martelo".
No cenário de JC Serroni, o melhor -e ainda não dominado pelo
elenco, na estréia- são as 11 portas que se amontoam em cena, como que para acentuar grotescamente a farsa.
Peça: O Martelo
Direção: Aderbal Freire-Filho
Quando: qui a sáb, às 21h, dom, às 20h
Onde: teatro Ruth Escobar (r. dos Ingleses,
209, tel. 011/289-2358)
Quanto: de R$ 20 a R$ 30
Patrocinador: Bradesco Previdência
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