São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2008

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Crítica/DVD/"O Discreto Charme da Burguesia"

Buñuel mergulha na fantasia para ironizar donos do poder

Vencedor do Oscar em 1973, filme traz diretor espanhol em sua melhor forma

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"O Discreto Charme da Burguesia", rodado na França em 1972, é Luis Buñuel em sua melhor forma: na linguagem fluida e livre dos sonhos, um ataque implacável aos donos do poder político, material e moral.
Em lugar da fúria anárquica dos primeiros filmes, o diretor, já setentão, destila uma ironia sutil, um humor sereno.
O roteiro sagaz, em parceria com Jean-Claude Carrière, não conta propriamente uma história, mas esboça uma série de tramas que se desfazem. Sonhos dentro de sonhos, anedotas e lendas enxertadas, pistas falsas, elipses bruscas. Ver essa obra, Oscar de filme estrangeiro em 73, é pisar o terreno movediço da fantasia e do desejo.
A primeira seqüência dá a senha da situação que se repetirá com variações, como um pesadelo recorrente: amigos burgueses chegam para jantar na casa de um casal e descobrem que os anfitriões os esperavam apenas para a noite seguinte.
Dali partem todos, incluindo a dona da casa, para um restaurante nas redondezas, onde, quando estão prestes a fazer seus pedidos, descobrem que, num canto do salão, desenrola-se o velório do proprietário. Daí até o final, serão inúmeras as refeições frustradas, pelos motivos mais diversos: batida policial, manobras militares, ataque terrorista.
A figura-chave do grupo de grã-finos é Rafael Acosta (Fernando Rey), embaixador da republiqueta sul-americana de Miranda. Traficante de cocaína em conluio com seus amigos burgueses e com o establishment local, Acosta é o elo entre a Europa supostamente civilizada e o Terceiro Mundo miserável, corrupto e atrasado. Um não vive sem o outro.
Buñuel é impiedoso com o teatro de máscaras das elites.
Numa cena memorável, um homem (Julien Bertheau) passa de bispo a jardineiro numa simples troca de roupa. O hábito desfaz o monge.
Questionado sobre a presença de um antigo chefe de campo de concentração nazista em seu país, Acosta diz: "Chamá-lo de carniceiro é um exagero. Estive com ele um par de vezes e constatei que é um homem simpático e distinto".
São todos simpáticos e distintos nesse grupo de discretos monstros, com a roupa certa, o vinho adequado e as fórmulas de conveniência na ponta da língua. Buñuel ri deles, de nós e de si próprio.


O DISCRETO CHARME DA BURGUESIA
Distribuidora:
Lume
Quanto: R$ 44,90, em média
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: ótimo



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