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Crítica/DVD/"O Discreto Charme da Burguesia"
Buñuel mergulha na fantasia para ironizar donos do poder
Vencedor do Oscar em 1973, filme traz diretor espanhol em sua melhor forma
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"O Discreto Charme
da Burguesia", rodado na França em
1972, é Luis Buñuel em sua melhor forma: na linguagem fluida
e livre dos sonhos, um ataque
implacável aos donos do poder
político, material e moral.
Em lugar da fúria anárquica
dos primeiros filmes, o diretor,
já setentão, destila uma ironia
sutil, um humor sereno.
O roteiro sagaz, em parceria
com Jean-Claude Carrière, não
conta propriamente uma história, mas esboça uma série de
tramas que se desfazem. Sonhos dentro de sonhos, anedotas e lendas enxertadas, pistas
falsas, elipses bruscas. Ver essa
obra, Oscar de filme estrangeiro em 73, é pisar o terreno movediço da fantasia e do desejo.
A primeira seqüência dá a senha da situação que se repetirá
com variações, como um pesadelo recorrente: amigos burgueses chegam para jantar na
casa de um casal e descobrem
que os anfitriões os esperavam
apenas para a noite seguinte.
Dali partem todos, incluindo
a dona da casa, para um restaurante nas redondezas, onde,
quando estão prestes a fazer
seus pedidos, descobrem que,
num canto do salão, desenrola-se o velório do proprietário.
Daí até o final, serão inúmeras as refeições frustradas, pelos motivos mais diversos: batida policial, manobras militares,
ataque terrorista.
A figura-chave do grupo de
grã-finos é Rafael Acosta (Fernando Rey), embaixador da republiqueta sul-americana de
Miranda. Traficante de cocaína
em conluio com seus amigos
burgueses e com o establishment local, Acosta é o elo entre
a Europa supostamente civilizada e o Terceiro Mundo miserável, corrupto e atrasado. Um
não vive sem o outro.
Buñuel é impiedoso com o
teatro de máscaras das elites.
Numa cena memorável, um homem (Julien Bertheau) passa
de bispo a jardineiro numa simples troca de roupa. O hábito
desfaz o monge.
Questionado sobre a presença de um antigo chefe de campo
de concentração nazista em seu
país, Acosta diz: "Chamá-lo de
carniceiro é um exagero. Estive
com ele um par de vezes e constatei que é um homem simpático e distinto".
São todos simpáticos e distintos nesse grupo de discretos
monstros, com a roupa certa, o
vinho adequado e as fórmulas
de conveniência na ponta da
língua. Buñuel ri deles, de nós e
de si próprio.
O DISCRETO CHARME DA
BURGUESIA
Distribuidora: Lume
Quanto: R$ 44,90, em média
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: ótimo
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