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Darcy Ribeiro, o útero do povo
GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
O antropólogo mineiro Darcy
Ribeiro fez a política pública do
útero no país das mães solteiras,
principalmente das mães solteiras
pobres acusadas de se entregarem
ao delírio de amor. Sensível ao
eros da antropofagia de Oswald
de Andrade, Darcy foi o melhor
discípulo dos educadores Roquete Pinto e Anísio Teixeira.
São Paulo adora Darcy Ribeiro,
ainda que movido por um amor
esquisito. Talvez Darcy tenha sido
mulher que nem Fellini. Daí a ambiguidade do nome. Dar-cy, ora
muié, ora ôme. Em Montes Claros
foi imperador da Folia do Divino.
A pomba do Espírito Santo é a
essência da cultura popular, dizia
Agostinho da Silva para os Portugais. Em função do lugar do útero
em sua antropologia, Darcy Ribeiro foi paparicado pelas cunhãs
e cunhantãs da tribo brasileira.
Teve enterro pansexual no Rio de
Janeiro.
A arquiteta Lina Bo Bardi dizia
que São Paulo precisava da energia civilizatória de Darcy Ribeiro,
cuja mulherofilia ajuda os machos ex-predadores de índios a se
libertarem do sexo com membrum virile desprovido de ternura. Sua missão civilizatória seria
pacificar a relação dos machos
com as fêmeas, porque a imortalidade da alma na Paulicéia passa
pelo santo São Paulo, um judeu
helênico dividido entre a carne e o
espírito.
Mario de Andrade aparece como o Kant paulista do Modernismo que se espelhou em Machado
de Assis, enquanto Oswald de Andrade viajou na épica de Getúlio
Vargas. O poeta Álvares de Azevedo morreu virgem que nem
Pascal.
O autor da "Maíra" conheceu a
alma paulista dilacerada entre a
teoria e a práxis, apesar do elogio
sincero ao ensaio "A dialética da
Colonização", de Alfredo Bosi,
que é um intelectual avis rara na
maré desnacionalizada de São
Paulo. Destarte, pouca gente conhece tão bem quanto Darcy a vida intelectual dos paulistas: de
Anchieta a Claudio Abramo.
No exterior, Darcy Ribeiro era
considerado um antropólogo especialista em povos iletrados.
Seu mestre Anísio Teixeira, nascido em Caiteté, dizia que era suicídio um povo aprender a ler só
para ler a Bíblia. Marquês de
Pombal estava certo ao expulsar
os jesuítas.
A igreja de Dom Helder posicionou-se contra a educação pública,
assim como sociólogo Betinho
correu por fora do rango dos
Cieps.
A sorte de Darcy foi ter sido descolonizado por Guerreiro Ramos,
que o tirou da juventude roleta-russa com curra e motocicleta.
Revolução não é sinônimo de
violência nem insurreição armada. Etnólogo das civilizações, quis
escrever a história crítica da tecnologia que Karl Marx reivindicara em "O Capital".
Nossa pobreza financiou a
prosperidade das sociedades ricas. Não somos a Europa, nem o
Ocidente, nem a América original. O brasileiro é propenso à inovação. Basta presenciar a chegada
de um caminhão na roça.
Nós começamos como mameluco. Do árabe "mameluc". Identificamo-nos com o pai, mas falamos melhor a língua materna.
Em todas as regiões do Brasil, o
mameluco é o denominador comum popular, e que já foi aliciador de índios para corte e carreto
de pau-brasil. Mameluco eunuco.
Mameluco testa de ferro. Mameluco, primeiro brasileiro. Sertanista bandido. Gerado pelo colonizador. Oprimindo seu próprio
povo. Traidor do gentio materno.
Esse é o bandeirante psicanalizado por Darcy Ribeiro.
Os brasileiros nascemos sipaios,
isto é, incumbidos da defesa interna dos interesses alienígenas. Trazemos no ventre da mãe indígena
as perdas internacionais do colonialismo. Produzimos o que não
consumimos. Existimos para suprir as necessidades alheias.
Nossa industrialização não gerou efeitos renovadores, dentre os
quais um corpo nacional de cientistas e tecnólogos. A Cepal é o
nosso pecado original. Saímos do
domínio ibérico para cair sob a
influência britânica no momento
em que os EUA se libertaram da
Inglaterra pela independência.
Darcy Ribeiro considerava Lévi-Strauss um "teórico boboca",
depois de ter estudado com o alemão Baldus em São Paulo. Redigiu o projeto do Parque do Xingu
e desbundou conversando com
Getúlio Vargas em 1952.
No Peru, Glauber Rocha mandou recado para FHC ouvir a sapiência do magnífico reitor Darcy
Ribeiro. Debalde. Continuamos
doentes doendo em dólares. Hasta quando?
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