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29ª MOSTRA DE CINEMA
"Flores Partidas" traz um discreto e brilhante Bill Murray em road movie atípico; elenco tem Sharon Stone e Jessica Lange
Comédia de Jarmusch foge do caricatural
MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Em "Flores Partidas", Jim Jarmusch consegue delinear a
sua singular posição no cinema
norte-americano ao construir um
road movie completamente atípico, mesmo que o título seja um
dos seus filmes mais clássicos. O
filme, laureado com o Grande
Prêmio do Júri na mais recente
edição do Festival de Cannes, é
uma das principais atrações de
hoje da 29ª Mostra de São Paulo.
O olhar do cineasta passeia por
uma América de plástico, povoada por seres de existências tomadas pelo imobilismo e que tem como protagonista um homem de
meia-idade em crise.
Apesar do tom amargo, a presença magnética de Bill Murray
como protagonista, cuja atuação
cada vez mais se vale da discrição
e de certo minimalismo, rende
ótimos momentos de comédia e
casa bem com o estilo de Jarmusch, que dispensa exageros.
Murray é Don Johnston, que
enriqueceu com a informática e
vive uma rotina pastosa em um típico e confortável subúrbio. Sabemos que tem ojeriza a relações
afetivas duradouras logo em uma
das primeiras seqüências, quando
a bela Sherry (Julie Delpy) dá um
fim ao namoro com ele.
Uma carta rosa será o ponto de
partida de uma possível virada no
cotidiano de Don. Ele seria pai de
um rapaz de 19 anos, que está vindo em busca dele.
O tom cômico prevalece quando Don conta sobre a insólita correspondência ao seu vizinho
Winston (Jeffrey Wright), africano que trabalha em variadas funções para alimentar muitas bocas
na família. Aconselhado por
Winston, Don parte EUA adentro
para tentar encontrar respostas
sobre seu rebento e, também, obter respostas mais definitivas sobre si mesmo.
Ao tentar localizar as possíveis
mães, Jarmusch impõe uma narrativa que, apesar de trazer à tona
um território paralisado e quase
de resina, não migra para o caricatural e para o alegórico.
As mulheres ex-Don -interpretadas por Sharon Stone, Jessica Lange, Frances Conroy e Tilda
Swinton- não têm trajetórias
empolgantes, não primam por
uma inteligência brilhante, trabalham em funções irrisórias, mas
formam uma galeria humana que
mostra um mundo de possibilidades e impedimentos para Don.
Jarmusch sabe se esquivar de
armadilhas, que seriam mostrar
uma reunião de lamentos e enumerar julgamentos preconceituosos. Assim, a odisséia particular
de Don e os momentos de encontro são focadas por Jarmusch com
generosidade e de forma afetiva,
mas sem perder a ironia.
Menos interessa a ele respostas
e visões engessadas. A perspectiva
do seu olhar se resume numa bela
cena, quando a câmera gira 360
ao redor de Don -suas crises e
lacunas só podem ser resolvidas,
sentidas e eventualmente causadas por ele mesmo.
Flores Partidas
Direção: Jim Jarmusch
Quando: hoje, às 14h50, no Cineclube Vitrine; e dia 3, às 21h, no Metrô Santa
Cruz
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