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Diário de Lisboa

O MAPA DA CULTURA

As marchas e a greve

Ainda há cheiro de sardinha no ar

ISABEL COUTINHO

Ainda há cheiro a sardinha assada no ar. É dia 13 de junho, Dia de Santo António, os lisboetas estiveram de arraial em arraial, nos bairros populares, até de madrugada, a comer sardinhas assadas e bifanas no pão.

As Marchas Populares de Lisboa desfilaram durante horas na avenida da Liberdade, em directo para as televisões, e a marcha do Alto do Pina venceu o concurso, seguida da de Alfama.

De manhã, no bairro do fado, entre as mesas montadas pelos habitantes para a ocasião, há sujidade sem fim (garrafas de cerveja partidas, copos de plástico esborrachados, sobras de comida, cheiro a xixi e a vomitado). É feriado, e os homens do lixo estão em greve. Não são os únicos. Também há greve nos comboios de Lisboa.

A uns quarteirões dali fica a Casa dos Bicos, edifício quinhentista na rua dos Bacalhoeiros, que durante os próximos seis anos vai albergar a sede da Fundação José Saramago. O Prémio Nobel da Literatura português morreu há quase dois anos, e as suas cinzas estão depositadas por baixo de uma oliveira plantada em frente à casa.

As lágrimas que se tinham de derramar já foram derramadas. Agora, o que Pilar del Río, presidenta da Fundação Saramago, quer é que portugueses e estrangeiros visitem o espaço com parte da biblioteca do autor, seu espólio e a exposição "José Saramago - A Semente e os Frutos", comissariada por Fernando Gómez Aguilera.

A Casa dos Bicos quer ser um centro emissor de debates, de polémicas, e Pilar teve a ideia de criar um Dia do Desassossego em Lisboa, à semelhança do Bloomsday: "Saramago dizia que escrevia para desassossegar. Estamos aqui para desassossegar também."

"OS LUSÍADAS" DE COR

Quem andou os últimos anos em desassossego foi actor António Fonseca. Passou quatro anos e meio a decorar "Os Lusíadas", de Luís de Camões: "Verso por verso, estrofe por estrofe, episódio por episódio, canto por canto".

Escreveu um diário a contar a empreitada (lusiadasdecoracao.blogspot.pt). Em Guimarães, Capital Europeia da Cultura, o actor subiu ao palco e fez uma maratona de dez horas que ficou para a história como "a primeira interpretação integral da famosa obra da Literatura portuguesa".

Na recitação do Canto 10, esteve acompanhado no palco por um coro de mais de cem vimaranenses -os Abreus, os Martinhos, os Costas, os Bastos, os Sousas, os Silvas, os Baltares, os Antunes, os Freitas e os Oliveiras-, dez famílias da cidade Património Cultural da Humanidade. "Trezentos gajos fizeram-se à vida em naus, enfrentaram doenças, tempestades.

Não eram nobres, eram pobres, condenados, marinheiros. Passaram as tormentas, chegaram ao desconhecido. Esta é a real história d' 'Os Lusíadas'", explicou o actor, que se preparou para esta empreitada com ajuda médica, como se fosse atleta de alta competição.

'NÃO HÁ TALENTO, HÁ TOUROS'

"Se fosses um leitor, o que perguntarias a Juan Marsé?" disse, enquanto se ria, António Lobo Antunes, sentado ao lado do escritor catalão, vencedor do Prémio Cervantes, na Livraria Leya na Buchholz, em Lisboa. "Se fosse um leitor, perguntaria por que diabo não escreves um best-seller para ficares milionário de uma vez? [risos] Não tenho resposta. Posso fazer-te uma pergunta?", contrapôs Marsé.

A conversa aconteceu em Lisboa, a propósito do lançamento de "Caligrafia dos Sonhos", romance do catalão que tem, em Portugal, prefácio do português.

"Nos livros consegues pôr em marcha tantas vozes, tão maravilhosas e poéticas. Como o fazes?", perguntou-lhe. Contou que, quando lê Antunes, tem a sensação que aquilo lhe sai, como aos poetas, que há ali inspiração.

Antunes desmontou a teoria com uma analogia tauromáquica: "Não há talento, há touros". Confessou que o início de cada capítulo é sempre o mais complicado e há dias em que compreende o significado as palavras do grande toureiro espanhol: "O que não se pode não se pode e, às vezes, é impossível".

VERSALHES SEM TAMPÕES

Joana Vasconcelos, artista portuguesa que nasceu em Paris quando os pais estavam exilados, inaugura dia 19 uma exposição individual no Palácio de Versalhes, em França.

Vão estar expostas algumas das suas peças icónicas, como "Coração Independente", feito com talheres de plástico a imitarem filigrana, e a "Marilyn", os sapatos de salto alto feitos com panelas. Mas a artista está tristíssima porque a peça "A Noiva", o seu candelabro feito com tampões menstruais, foi censurado pela nova directora, Catherine Pégard.

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