São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2002

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ZONA OESTE

Mulheres que se reúnem para bordar são exemplo dos hábitos dos moradores, que já estão sendo assediados pelas construtoras

Progresso ameaça calma da Vila Romana

ELENITA FOGAÇA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A Vila Romana, na zona oeste, tida pelos profissionais do mercado imobiliário como um dos bairros que mais receberão empreendimentos nos próximos dois anos, representará mais um capítulo da história de São Paulo que será reescrito verticalmente.
Quem visita a região hoje até avista arranha-céus, mas uma inspeção mais minuciosa mostra que os espigões estão fora dos limites do bairro, dominado por casas.
Somada à arborização, essa característica dá ao bairro uma atmosfera de cidade do interior. Divididos entre os que reprovam a verticalização do bairro e os que se conformam com ela, os moradores reforçam a impressão.
Não é fácil encontrar em outro canto de São Paulo um grupo de senhoras que se reúnem em torno de uma banca de jornal para bordar, trocar receitas e bater papo. Na Vila Romana, mais precisamente na praça Jesuino Bandeira, isso ocorre todas as tardes.
"Aqui é o ponto de encontro de todas as minhas amigas", conta Helena Keiko Matsuda Senaha, 48, dona da banca de jornal que leva seu sobrenome. A comerciante, que há 15 anos mora no bairro, teme perder essa tranquilidade tipicamente interiorana.

Tentação
"Não quero que minhas amigas vendam suas casas e se mudem daqui", pede Senaha. Mas, pelos boatos que correm pelo bairro, parece difícil que o grupo continue reunido. As ofertas estão sendo tentadoras.
"Minha casa já está à venda, mas pretendo comprar outra por aqui", diz Iraci Maria da Silva, 52, sendo 50 deles vividos no bairro.
"Ninguém consegue brecar o progresso", consola-se o aposentado Mario Temporin, 72, há 30 no bairro. Todas as manhãs, junto com outros aposentados, ele frequenta a banca de jornal. No período matinal, Eduardo Eiyu Senaha, 51, marido de Helena, é quem cuida do ponto.
"De dia, ficam os homens, à tarde, as mulheres", comenta. A rotina dos dois grupos só é interrompida, de hora em hora, com a chegada do pardal Tico -um passarinho que come ração na mão de quem a der. "É o nosso mascote", resume Eduardo Senaha.
Elogios ao bairro, no qual 90% dos habitantes são proprietários de suas casas, não faltam. "Aqui é muito bom, tranquilo, mas as conversas de que vamos ter prédios não são boatos", observa o contador Esli Boniolo, 69.
Ele diz que já estava com planos de deixar a região onde foi criado. Por isso colocou placa de venda em sua casa. "Quando soube da presença de construtores no bairro, retirei a placa e agora estou estudando as propostas", revela.

Xô, construtoras
Mas há quem não festeje a possibilidade de vender bem o seu imóvel. É o caso do comerciante Michele Calabria, 60, e da dona-de-casa Olga Risaldi Cassapula, 66. Ambos moram na Vila Romana há mais de cinco décadas.
Eles não querem que a população local aumente. "A infra-estrutura daqui não comporta", argumenta Calabria. "Trocar uma casa em que moram duas pessoas por um prédio com 200 é uma violência", completa. "Só tenho essa casa, não vou vender para ninguém", promete Cassapula.
Os argumentos de Calabria procedem. Apesar de estar próxima de locais bem abastecidos de transportes, comércio e serviços, como a Lapa e a Pompéia, a Vila Romana é carente de muita coisa.
"Ônibus aqui só passa a cada 45 minutos, no mínimo", reclama a moradora Neide Alves Maia, 48. "Não temos lazer, um bom restaurante, uma boa padaria", enumera Joana Alves Navarro, 47.
Para profissionais do setor imobiliário, quando começarem a pipocar os novos lançamentos, problemas como esses vão virar coisa do passado, assim como as casas.


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