São Paulo, quarta-feira, 13 de junho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESTHER DYSON

Um mercado de idéias

Desde a última vez em que escrevi sobre a Icann, organização que coordena a distribuição dos endereços de sites na internet, muita coisa aconteceu.
Nos últimos dois anos, a Icann promoveu concorrência acirrada com a empresa que originalmente dominava o registro de endereços, a Network Solutions.
A empresa, que hoje é parte da VeriSign, ainda detém o monopólio da gestão dos domínios genéricos de primeiro nível ("top-level domains", ou TLDs), como .com, .net e .org. Os endereços regionais (.br no caso do Brasil ou .es na Espanha, por exemplo), são administrados, normalmente, por organizações designadas pelos próprios governos.
Em breve, porém, haverá concorrência até mesmo entre os domínios genéricos de primeiro nível, já que, em novembro passado, a Icann aprovou sete novos tipos de endereço para sites, como .business, .info e .coop.
A Icann também enfrenta novos desafios, entre eles a New.net, uma empresa privada que está tentando contornar o sistema de nomes de domínio da Icann com uma abordagem um tanto quanto incompatível. Mas, se a Icann fizer seu trabalho bem feito, vai prevalecer por ter o sistema mais atraente.
O maior desafio que a Icann enfrenta é saber receber as críticas do público, agindo com base nelas. Será que o sistema da New.net realmente constitui uma ameaça à integridade da internet, ou será um avanço tecnológico bem-vindo que a Icann deveria receber bem e adotar como parte da evolução contínua da rede? O que dizer do fato de que a New.net é uma empresa privada e poderia beneficiar-se incomensuravelmente da bênção da Icann, assim como também fariam os donos de endereços terminados em .biz, .info e .pro?
São questões que não são apenas técnicas, e a Icann precisa prestar atenção às necessidades e opiniões de uma população maior do que apenas os engenheiros e lobistas de empresas, que são seus participantes mais ativos.
Embora eu tenha deixado a presidência da Icann (não em razão de alguma conspiração, mas porque meu mandato terminou em novembro), agora integro seu Comitê de Estudos dos Participantes Extraordinários, encarregado de tratar exatamente dessas questões.
Estamos analisando o processo pelo qual foram eleitos os primeiros cinco membros extraordinários, processo que foi amplamente visto como um experimento que deveria ser aperfeiçoado para a eleição seguinte -mas aperfeiçoado como?
Estamos nos perguntando quem deve ter direito de ser membro extraordinário -qualquer pessoa? Qualquer pessoa que tenha e-mail? Qualquer pessoa que tenha um nome de domínio? Ou será que os membros deveriam ser submetidos a algum tipo de exame para assegurar que compreendem as questões em jogo?
Como podemos evitar que as pessoas se registrem "n" vezes usando nomes e e-mails diferentes? Deveriam os membros pagar uma taxa, para garantir um mínimo de interesse? Mas como resolver a questão da disparidade de renda nas diferentes comunidades? Quantos diretores deve haver? Como eles devem distribuir-se geograficamente? E como as pessoas devem votar? Por região, como da última vez, ou será que isso perpetua distinções geográficas artificiais e elimina o impacto das opiniões das minorias em cada região?
Todas essas questões são importantes, e as respostas precisam ser decididas pela Icann.
Há outras questões que precisam ser respondidas fora da Icann, precisamente porque a entidade, embora devesse representar a todos, na realidade representa em primeiro lugar aqueles que já têm interesse e já investiram tempo nela.
A Icann não deveria determinar quais comentários numa lista de discussão são legítimos, nem dizer quais sites merecem um link para o site da Icann, nem quem tem o direito de escrever a seus membros, nem sob que condições.
Em última análise, os internautas precisam decidir como querem se comportar, sem a autorização ou orientação da Icann. Em seguida, precisam obedecer às regras da Icann para ter seus pontos de vista implementados -isso se, de fato, contarem com a concordância da maioria.
No momento, todas essas questões são alvo de discussões animadas. Mas dificilmente pontos de vista, em oposição a pessoas ou nacionalidades, conseguem votos. As pessoas de fora dos EUA e da Europa muitas vezes se sentem marginalizadas nas deliberações da Icann, feitas exclusivamente em inglês. Quem não tem acesso à rede e se comunica principalmente por e-mail nem sempre pode acessar todas as discussões da Icann, centradas na Web.
Na verdade, a Icann precisa é do equivalente a partidos políticos. Talvez um Partido Não às Novas TLDs, ou um Partido dos Direitos de IP Livre (que defenderia a criação de um mercado de nomes de domínio totalmente livre), ou, ainda, o Partido das Raízes Alternativas, que defenderia alternativas ao sistema de nomes de domínio.
Cada um desses partidos teria de fornecer explicações coerentes sobre o funcionamento de suas políticas e teria de conseguir adesões. Os partidos não seriam organizados pela Icann (à diferença do que acontece com suas três organizações de apoio, que representam interesses específicos e já elegem metade do conselho de direção da Icann).
Será que essa abordagem poderia funcionar? Ainda seria um experimento. Seria preciso contar com diretrizes apropriadas de votação, para garantir que um partido não comprasse votos, simplesmente. Mas um mercado de idéias é bem melhor do que um mercado de pessoas.
Em última análise, a Icann como sistema eficaz, não apenas como organização, depende das contribuições e críticas do público e de um conjunto de regras formais que rejam a forma pela qual os membros de seu conselho de direção podem votar suas políticas.
Ou seja: ela depende da ação independente de pessoas interessadas, auto-indicadas e auto-organizadas em todo o mundo. Isso quer dizer você!
Neste momento, é a sua opinião o elemento mais importante para determinar como esses processos devem funcionar. A longo prazo, você poderá usar esses processos para expressar suas opiniões e influenciar as decisões da Icann.
Se você se interessa pelo problema, visite o endereço www. atlargestudy.org ou envie um e-mail para majordomo@atlarge study.org contendo as palavras "subscribe forum" (sem as aspas) no corpo da mensagem.
Lembre-se de que as regras informais são tão importantes quanto as formais -ou seja, leia a discussão primeiro, antes de postar sua opinião na rede.


Esther Dyson edita o boletim de tecnologia "Release 1.0" e é autora do best seller "Release 2.0".

Tradução de Clara Allain.

E-mail: edyson@edventure.com




Texto Anterior: Empresa defende descentralização
Próximo Texto: Canal aberto - José Antonio Ramalho: Saiba como funciona o programa antivírus
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.