São Paulo, quarta-feira, 24 de agosto de 2005

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ENTREVISTA - HERMANO VIANNA

"Circule entre vários mundos"

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Pesquisador da cibercultura, o antropólogo Hermano Vianna, 45, acredita que as autoridades deveriam aproveitar melhor a "fome tecnológica" do povo brasileiro e afirma que os limites entre real e virtual sempre serão confusos. Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha. (TA).
 

Folha - Qual o principal atrativo dos jogos on-line?
Hermano Vianna -
Penso que o principal atrativo dos games é a possibilidade que o jogador tem de experimentar, com cada vez mais realismo, mundos imaginários, com graus variados de complexidade. O fato do mundo de um MMOG ser mais simples que o mundo real pode atrair jogadores que gostam de ter mais controle sobre as situações, pois torna a vida naquele mundo mais fácil e previsível. Porém, quanto maior o realismo dos games (o que significa maior complexidade), mais as pessoas vão gostar de viver mais tempo dentro deles.

Folha - É possível traçar alguma comparação entre as guildas dos MMOGs e os clãs medievais?
Vianna -
Os clãs dos games são grupos sociais bem interessantes. Geralmente, não exigem a adesão eterna dos seus integrantes e duram enquanto durarem os jogos. São formados por gente espalhada por todos os continentes, que de outra forma não teria contato entre si. Por isso, são fenômenos bem contemporâneos e diferentes daqueles do passado, como as guildas medievais, que estavam ligadas a territórios geográficos bem definidos e tinham meios para controlar a vida inteira de seus integrantes. Agora, unimos vários grupos de uma forma bem mais fluída, com significados distintos, em mundos e em realidades diferentes. É uma procura pela turma, pela tribo -mas totalmente nova.

Folha - Como distinguir o limite entre real e virtual?
Vianna -
Acho que o real e o virtual sempre vão se confundir. É assim desde que existe ser humano no planeta. As religiões, as artes e as culturas podem também ser pensadas como construções virtuais, que são sobrepostas ao mundo real. E o fato de serem virtuais não enfraquece suas conseqüências reais. Quantas guerras são travadas em nome da religião ou de identidades culturais, só porque as pessoas se imaginam diferentes? Os mundos cibervirtuais dos MMOGs só vieram para aumentar essa confusão toda. Imagine se daqui a algum tempo acontecer uma guerra real entre os jogadores de Ragnarök Online e de Tibia?!

Folha - Como você vê a relação entre os brasileiros e os jogos?
Vianna -
Acho que as autoridades competentes, os intelectuais e os estudiosos da sociedade brasileira ainda não descobriram que somos um povo com uma fome tecnológica radical. Não sabia desse número do Ragnarök Online [500 mil jogadores cadastrados] -é impressionante. Adoramos novidades. E como temos uma cultura rica, capaz de produzir mundos paralelos gigantescos, como o Carnaval, deveríamos estar na ponta do desenvolvimento de games e de outras virtualidades. Quando a economia brasileira vai aproveitar esse talento?

Folha - Os MMOGs podem de alguma forma ser nocivos ao ser humano?
Vianna -
Tudo na vida tem um lado bom e um lado ruim. Por que com os MMOGs seria diferente? O importante é não deixar que os MMOGs se transformem nas únicas referências culturais para seus jogadores. Todo fanatismo é nocivo. Para combater o pensamento de mão única, é importante circular entre vários mundos.


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