São Paulo, segunda-feira, 12 de fevereiro de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA Fundos de pensão exigem respeito e estabilidade

SÉRGIO ROSA

O sistema previdenciário do país deve ser tratado com maior seriedade e responsabilidade. Trata-se de um sistema destinado a assegurar condições dignas de sobrevivência para milhões de trabalhadores que chegam ao momento de se aposentar. As regras previdenciárias interferem diretamente no mercado de trabalho, pois determinam também o tempo de vida ativa dos trabalhadores nas empresas.
Ao lado do regime geral de previdência oficial, a previdência complementar se impõe como necessidade para um conjunto de trabalhadores que, recebendo salários superiores ao teto da previdência oficial, têm o direito de buscar uma garantia de renda justa para o período de aposentadoria.
Muitas vezes esse mecanismo tem sido tratado como se fosse um privilégio. Diante do conhecido quadro de má distribuição de renda do país, o fato de uma parcela dos trabalhadores com melhores salários poderem contar com complementos de aposentaria é facilmente explorado, na maioria das vezes por má-fé, como se fosse um direito injusto e ilegítimo.
Em primeiro lugar, é necessário contestar essa visão com firmeza. O sistema de previdência complementar é justo e bom, não só para o trabalhador como para as empresas e o país.
É bom que o trabalhador possa manter um nível de renda próximo daquele do seu período laborativo. Isso permite que a massa de recursos disponível para o consumo se mantenha estável, alimentando a economia. Isso permite também que o trabalhador decida-se pela aposentadoria no tempo certo, sem traumas ou temor de grande perda financeira, facilitando seu planejamento e o de recursos humanos das próprias empresas. Para as empresas, a oferta de planos de aposentaria representa ainda um importante instrumento de fidelização dos seus empregados.
Para o país, os ganhos são também significativos. O sistema de previdência complementar é alimentado com a formação de poupança. O trabalhador abre mão de parte da sua renda atual, depositando recursos em um fundo, juntamente com aportes da empresa, que podem ser considerados salários indiretos. Com isso, forma-se uma poupança de longo prazo, de que o país é extremamente carente, recursos que por sua vez serão utilizados para investimentos.
No Brasil, os fundos fechados de previdência complementar reúnem cerca de 2.252.152 participantes, aproximadamente metade dos quais vinculados a empresas públicas e a outra metade a empresas privadas. Se considerarmos seus dependentes, o universo de pessoas vinculadas soma 6,5 milhões de pessoas. Esses fundos gerem recursos de aproximadamente R$ 140 bilhões. São recursos acumulados para fazer frente aos benefícios presentes e futuros dos seus participantes. Em termos de benefícios já concedidos, no ano de 2000 terão sido pagos cerca de R$ 9 bilhões em complemento de aposentadorias.
Todo esse sistema exige, como de resto outros setores da economia, seriedade na gestão, fiscalização dos interessados e regras estáveis e adequadas. Em inúmeros outros países do mundo (Estados Unidos, Holanda, Japão, etc.) os fundos são vistos como importantes instrumentos de poupança e de renda e representam o maior volume de investimentos diretos na economia.
No Brasil, no entanto, temos visto, sobretudo nos últimos anos, uma grande incompreensão e uma enorme instabilidade no setor.
Projetos que regulamentam o sistema estão parados no Senado, sendo bombardeados por inúmeras emendas absurdas, depois de ter sido aprovados na Câmara dos Deputados por quase unanimidade. O debate sério que havia sido alcançado na Câmara está ameaçado pelos interesses do sistema financeiro, que não quer permitir que os fundos fechados prosperem, e por interesses não menos questionáveis que querem impedir a democratização dos fundos.
O tratamento tributário dos fundos, que seria resolvido pela aprovação daqueles projetos, também se vê diante de permanente instabilidade, sujeito a jogadas demagógicas que ameaçam a própria existência dessas entidades.
No final do ano, vimos também a Secretaria de Previdência Complementar, após mudanças em sua direção, tomar medidas açodadas contra fundos que apresentam equilíbrio, reavivando práticas autoritárias e intervencionistas.
E, depois de tudo, vem o decreto 3.721, que institui regras de idade mínima que afetam direitos e mais uma vez impactam os fundos e as empresas, que sofreram uma enxurrada de pedidos de aposentaria precipitados, motivados pelo medo de perda definitiva do elementar direito de aposentadoria. O decreto é exemplar de um método arbitrário de gestão. Sem ouvir as empresas nem os fundos, sem ouvir o Congresso, o decreto pretende regulamentar algo que não é previsto em nenhuma lei e altera contratos vigentes. A ousadia só é possível pela pressuposição de que venha a se impor pela força.
Diante disso, urge que as entidades e seus participantes defendam-se e que os setores mais esclarecidos e menos influenciados por outros interesses ampliem esse debate.
Por último, não poderia deixar de fazer referência a fatos conhecidos e frequentemente utilizados para atacar os fundos de pensão. É verdade que em muitos momentos esses fundos envolveram-se em negócios escusos, favorecendo empresas ou grupos econômicos e acarretando prejuízos e rombos. Invariavelmente os responsáveis por esses fatos foram indicados direta ou indiretamente pelo próprio governo, por meio da direção das empresas.
A melhoria da gestão dos fundos tem ocorrido pelo processo de profissionalização e, sobretudo, por meio da maior participação dos trabalhadores na gestão e na fiscalização dos mesmos. Muitos dos que usam aqueles fatos para atacar os fundos atacam também essa participação dos trabalhadores. Muitos gostariam que os fundos voltassem a ser dóceis parceiros para seus negócios -ou, melhor dizendo, negociatas. Por trás de alguns discursos moralistas, há razões profundamente imorais.


Sérgio Rosa é diretor de participações eleito da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil).


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