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Segredos de uma história singular
Acontece hoje nos EUA a entrega do Pulitzer, criado em 1917 para premiar as melhores
produções nas áreas de jornalismo, fotografia, música, teatro e literatura
Tania Menai
especial para a Folha , de Nova York
Hoje, 1º de abril, alguns poucos
profissionais do jornalismo
americano estarão dando uma
guinada de 180 em suas carreiras. Eles serão reverenciados com o
Prêmio Pulitzer, o ícone da excelência
concedido anualmente a jornalistas e fotógrafos por trabalhos publicados no
ano anterior em algum jornal dos Estados Unidos. Estendido às áreas de música, teatro e literatura, esse é um dos mais
importantes estímulos à incessante busca pela qualidade.
"Este prêmio vai mudar o seu obituário, não a sua vida", ouviu o colunista político Paul Gigot, do "The Wall Street
Journal", ao ser premiado no ano passado. A frase é conhecida. "Afinal, no dia
seguinte o fechamento está lá da mesma
forma", dizem jornalistas e fotógrafos
em coro. Alguns acrescentam que o prêmio veio pelo trabalho errado, pois "já fizeram coisa melhor". Achismos à parte,
todos ganham mais respeito, reconhecimento e, claro, inveja. Um fotógrafo premiado no começo dos anos 70 chegou a
convocar uma coletiva de imprensa para
declarar que a partir daquele dia deveria
ser chamado de "Jesus Cristo". Para Paul
Gigot, nada mudou além de receber mais
convites para dar palestras e "levar a mãe
para o almoço dos vencedores". O prêmio? US$ 5.000. O valor é simbólico. O
prestígio, incalculável.
Mas, para os que não sabem administrar a carreira, o Pulitzer pode significar
o pico do Everest daí em diante. "Não
gostaria de exagerar, dizendo que o Pulitzer é a única coisa importante no jornalismo. Mas os prêmios estimulam sua
excelência e por isso algumas matérias
podem mudar a trilha da história e dar
aos leitores uma compreensão melhor
do presente", diz Paul Steiger, editor-chefe do "The Wall Street Journal", em
Nova York.
Ele sabe do que fala: além de fazer parte
do conselho do Pulitzer, viu o "Journal"
ganhar nove prêmios desde que assumiu
o posto, em 1991 -até agora, a coleção
conta com 23 Pulitzers. E o que faz uma
matéria merecer um Pulitzer? "A importância da informação para o público, a
dificuldade da apuração, a eficiência da
apresentação e a qualidade do texto", explica Steiger. "No final, todos querem ganhar um."
Nascido na Hungria, em abril de 1847,
Joseph Pulitzer foi um dos mais respeitados jornalistas americanos do final do
século 19. Apaixonado e visionário, ele liderou os inovadores jornais "New York
World" -o de maior circulação na época- e "St. Louis Post-Dispatch". Filho
de pai judeu e mãe católica, foi ele o primeiro a levantar a bandeira do diploma
em jornalismo e, em 1904, escreveu seu
testamento deixando um guia para a
criação do Prêmio Pulitzer, um prêmio
para incentivar a excelência no jornalismo, na literatura, na música e no teatro.
E mais: deu ao conselho desse prêmio,
hoje composto por 19 pessoas, total liberdade para substituir, remover ou adicionar categorias à medida que novos
ventos trouxessem mudanças.
Pulitzer deixou uma herança (na época, US$ 2 milhões) para a criação da Faculdade de Jornalismo da Universidade
Columbia, sendo que um quarto desse
valor deveria ser destinado a bolsas e
prêmios "para o incentivo do serviço público, da literatura americana e do avanço da educação". A faculdade foi criada
em 1912, um ano após a morte de Pulitzer. O primeiro prêmio foi concedido em
abril de 1917. Desde então, abril é o mês
das premiações. Pulitzer foi um "self-made man". Desembarcou nos EUA sem
falar inglês (apenas alemão e francês),
carregou malas, serviu mesas e comprou
um jornal falido, tornando-se editor aos
25 anos. Foi seu vôo solo a inspiração em
aferventar novos talentos.
Jurados voluntários
A singularidade do Prêmio Pulitzer sobreviveu ao
surgimento do rádio, da televisão, das revistas e da Internet. Ele é concedido apenas a jornais e recebe anualmente mais
de 2.000 trabalhos para suas 14 categorias, incluindo matérias especiais, notícias, colunas, críticas, comentários, serviço público, fotos e charges. São os próprios editores que decidem o material
que vai para a competição, mas os leitores também podem enviar matérias. Em
1999, o conselho incluiu a premiação para a Internet. Contudo apenas na categoria de serviço público, pois, apesar de a
Internet já ter tido um grande impacto
no jornalismo, muita coisa é apenas a
duplicata da versão impressa.
A sede do Prêmio Pulitzer fica no sétimo andar da Faculdade de Jornalismo da
Columbia, no Harlem, em Nova York.
Forrado de papéis e livros, está o escritório do administrador do prêmio, Seymour Topping, ou apenas Top. Aos 78
anos, ele nunca ganhou o prêmio, apesar
de ter construído uma belíssima carreira.
Foi correspondente da agência de notícias Associated Press (AP) por dez anos,
passando pela China, por Londres e Berlim. Em Nova York, chefiou a editoria internacional do "The New York Times",
encabeçou as sucursais do jornal em
Moscou e no Sudeste Asiático e alcançou
o posto de editor-chefe do jornal. Em
1993, trocou o "Times" pelo "Pulitzer".
Top explica que a premiação é feita em
duas etapas. Para cada categoria, ele escolhe jurados, todos voluntários, bienalmente. Em fevereiro, os jurados se reúnem na Columbia e apontam três indicações por categoria. Depois de estudar as
opções, o conselho se reencontra no início de março no lendário World Room,
no terceiro andar da escola de jornalismo. A sala é famosa pelos vitrais com a
imagem da Estátua da Liberdade entre
dois globos, que pertenciam à redação
do "New York World". Três dias de discussão e, "voilà", o veredicto.
"O conselho é feito por alguns dos melhores jornalistas e acadêmicos dos
EUA", diz Topping. Os integrantes são
eleitos por três períodos de três anos cada. Dessa forma, o conselho se mantém
independente, não se reporta nem mesmo à Columbia. Topping afirma que o
processo de seleção do Pulitzer nunca
sofreu censura, até porque as matérias
em questão já foram publicadas em jornais. Há quem compare o Prêmio Pulitzer ao Prêmio Nobel, um reconhecimento por toda a carreira. Mas o Pulitzer está
mais para uma medalha olímpica: você
se esforça a vida toda, mas deve vencer
aquela competição específica. Existem
grandes jornalistas da velha-guarda que
nunca viram a cor desse prêmio. Para se
ter uma idéia, no ano passado, um dos
prêmios foi parar nas mãos de um jornalista de 27 anos. J.R. Moehringer, do "Los
Angeles Times", ganhou um Pulitzer por
uma matéria sobre como uma balsa iria
mudar a vida de uma comunidade no
Alabama, onde vivem diversos descendentes de escravos. Mike Downey, colunista do mesmo jornal, não poupou elogios ao jovem repórter, mas escreveu:
"Com 27 anos eu só ganharia esse prêmio na categoria de escritor imaturo".
Não importa. Bons trabalhos merecem
prêmio, independentemente de idade,
sexo, credo e cor do jornalista. "São premiadas histórias de impacto, principalmente nas áreas investigativa e de serviço público", lembra Claude Erbsen, vice-presidente de serviços internacionais da
Associated Press. "Hoje, os profissionais
de jornalismo são mais bem preparados
e têm uma melhor formação", lembra
ele. "Os prêmios especiais concedidos
por trabalhos feitos ao longo de uma vida são raríssimos", ressalta Topping.
As regras do Pulitzer são claras. O prazo de entrega dos trabalhos candidatos é
sempre em 1º de fevereiro e o quesito
"apuração" e veracidade dos fatos é responsabilidade de cada jornal. De qualquer forma, isso é o mínimo que se espera de qualquer veículo de imprensa.
Conflito de interesses
No entanto
o velho Joseph já teve bons motivos para
se contorcer na tumba. Há um ano, o
prêmio de jornalismo investigativo foi
dado a três jornalistas da Associated
Press por "revelarem, com extensa documentação, as décadas de segredos sobre
como os soldados americanos no começo da Guerra da Coréia mataram centenas de civis coreanos num massacre na
Ponte No Gun Ri". A matéria cita Edward I. Daily, contando que recebeu a ordem de matar civis, auto-intitulando-se
"uma metralhadora".
Depois de a matéria ter sido publicada,
um professor descobriu, por meio de
pesquisas, que Daily não estava lá na
época do massacre -essa informação
foi obtida dois meses antes de o artigo ser
submetido ao Pulitzer (em mais de uma
categoria). Com a matéria premiada, o
episódio ganhou acusações e espaço na
imprensa. Contudo nenhuma atitude foi
tomada pela AP (cujo CEO, ou chefe-executivo, Louis Boccardi, faz parte do
conselho do Pulitzer) ou pela administração do Pulitzer.
É possível que em casos como esse haja
conflito de interesses. Afinal o conselho é
formado por editores que acabam julgando trabalhos de seus próprios veículos. Em tempo, a Associated Press é o veículo mais premiado nas categorias em
que concorre -nada de espantar, pois
ela tem um bom time espalhado por todas as partes do mundo. Desde 1922, já
abocanhou 46 Pulitzers. Destes, 27 foram
para fotografias.
As estripulias jornalísticas não são de
hoje nem de ontem. Em 1980, a colunista
Patricia Smith levou cartão vermelho do
"The Boston Globe" por ter inventado
uma matéria meses antes de ser indicada
a finalista do prêmio. Dois anos mais tarde, o "The Washington Post" devolveu à
administração do Pulitzer o prêmio concedido à jornalista Janet Cooke. Ela criou
a matéria "Jimmy's World", sobre um
menino de oito anos viciado em drogas.
O episódio ficou tão famoso, que vai ganhar a tela dos cinemas. Os direitos foram comprados no ano passado pela
produtora de cinema Columbia TriStar.
O que leva certos jornalistas a escrever
caraminholas é uma incógnita. Falta de
bons mentores? De boa índole? De um
mínimo de ética? Mas até que as previsões feitas por Joseph Pulitzer estão
acontecendo: ao longo de todos esses
anos, o jornalismo americano amadureceu. "Ele está mais responsável", diz
Claude Erbsen, da AP. "Há mais precisão, profundidade, uma grande ênfase
na cobertura de assuntos locais e no jornalismo explanatório."
Momentos históricos
"As matérias
premiadas representam um "portrait" do
que aconteceu durante aquele ano. Além
dos textos, visualmente temos uma impressão de como era o mundo nas últimas décadas", diz Topping. A categoria
de fotos foi incluída em 1942, quando a
imagem começou a exercer um papel
fundamental na notícia. Já em 1970,
criou-se a categoria das fotos de matérias
especiais, que nem sempre chegam à primeira página, mas têm igual importância. O conjunto das fotos premiadas inclui momentos históricos como os soldados americanos erguendo a bandeira
americana em Iwo Jima, em 1945. "Essa
imagem simboliza a potência em que os
EUA se transformaram", diz o historiador Eric Newton, curador de uma exposição sobre as fotos. "Ela está em selos,
pôsteres, filmes, livros e esculturas."
Ainda entram para a memória da humanidade a imagem de um soldado na
guerra do Vietnã apontando a arma para
um prisioneiro assassino, em 1968, e a do
ativista e advogado negro James Meredith levando um tiro durante uma marcha pelo direito do voto em 1966, no Mississipi. Quem não se lembra também do
exato instante em que o assassino do
presidente John Kennedy levou um tiro à
queima-roupa, da menina Phan Thi Kim
Phuc correndo de uma explosão em Saigon em 1972 ou de uma criança sudanesa
se arrastando de fome, sendo observada
por um urubu, em 1993? No ano passado, as imagens da tragédia da Columbine
High School (em Littleton, Colorado),
onde dois alunos fuzilaram seus colegas,
garantiram o prêmio à equipe de fotógrafos do "Denver Rocky Mountain
News".
John Honenberg, administrador do
Pulitzer entre 1954 e 1976, escreveu que,
quando o jornalista Howard Simons, ou
Howie, morreu aos 60 anos em 1989, o
"The Washington Post" reconheceu que
ele exerceu um "papel importante" no
escândalo Watergate, cuja cobertura diária e persistente do jornal levou o presidente Nixon à resignação. Howie ganhou o Pulitzer na categoria de serviço
público, com ajuda dos repórteres Bob
Woodward e Carl Bernstein. "Foi Howie
quem circulava pela redação gritando,
inspirando, dirigindo e insistindo que
nós não abandonássemos nossas investigações, sejam quais fossem os níveis de
rejeições ou denúncias."
Honenberg ressalta que não importam
quantos milhões de novos dispositivos
tecnológicos façam os repórteres substituir seus lápis e caderninhos. Não foi a
sofisticação de um computador que forçou o presidente Nixon a se demitir.
Sempre alguém terá de liderar, inspirar,
cavar a verdade. "Você nunca encontrará um chip que faça isso", escreveu ele.
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