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Caminho
AURORA F. BERNARDINI
especial para a Folha
Para Jorge Luis Borges, os caminhos em geral se bifurcam, como
é dito em um de seus contos mais
famosos: "Deixo aos vários futuros (não a todos) meu jardim de
caminhos que se bifurcam". A
frase, do sábio Ts'ui Pên, é assim
explicada pelo narrador: "Em todas as ficções, cada vez que um
homem se vê diante de diferentes
alternativas, ele opta por uma e
elimina as outras, na do quase
inextricável Ts'ui Pên , ele opta
-simultaneamente- por todas"
("O Jardim dos Caminhos que se
Bifurcam").
Caminhos são também lugares
"onde o que acontece não contamina as coisas, onde a irrealidade
do que acontece pode ser um atributo do infernal". É o que se dá
com Emma Zunz (no conto de
mesmo nome), a caminho de sua
sinistra vingança, que naquele dia
"alcançaria a simplicidade dos fatos": "O homem conduziu-a a
uma porta e depois a um turvo saguão e depois a uma escada tortuosa e depois a um vestíbulo e
depois a um corredor e depois a
uma porta que se fechou (...) Emma Zunz agora refugiava-se na
vertigem (...) -Agora devo fugir,
pensou Emma, tomar outro caminho".
Quem realiza um ato atroz deve
imaginar já tê-lo cumprido, deve
impor-se um futuro tão irrevogável quanto o passado. Além de
tortuosos, os caminhos de Borges
tendem a ser labirínticos: "O úmido caminho ziguezagueava como
os de minha infância. Nele opto
-simultaneamente- por todos
(...) Porém, desci. Por um caminho caótico de sórdidas galerias
cheguei a uma ampla câmara circular, apenas visível. Havia nove
portas naquela cave, oito davam
para um labirinto que, enganosamente, desembocava na mesma
câmara; a nona (através de outro
labirinto) dava para uma segunda
câmara circular, igual à primeira.
Ignoro o número total das câmaras, minha desventura e minha
ansiedade multiplicavam-nas (...)
Um labirinto é uma casa lavrada
para confundir os homens; sua
arquitetura, pródiga em simetrias, está subordinada a este objetivo", diz o narrador de "O Imortal", "mas na Cidade a arquitetura
carecia de objetivo. Abundavam o
corredor sem saída, a alta janela
inalcançável, a aparatosa porta
que dava para um poço, as incríveis escadas invertidas ou as que
morriam sem chegar a parte alguma (...) Não me lembro das etapas
do meu caminho de volta. Sei unicamente que não me abandonava
o temor de que, ao sair do último
labirinto, me rodeasse outra vez a
nefanda Cidade. De nada mais
posso lembrar. Esse esquecimento, agora insuperável, foi quiçá
voluntário".
"Mas esquecer o passado não é
modificar um único fato: é anular
suas consequências, os caminhos
que tendem a ser infinitos", explica o narrador de "A Outra Morte". Em "Os Teólogos", para a novíssima seita dos monótonos, os
caminhos da história são um círculo em que "nada há que não tenha sido e que não venha a ser".
Para o humanista de "A Busca
de Averróis", escrevendo com
lenta segurança na beatitude da
fresca e grande casa que o rodeava, do arrulhar dos pombos e do
invisível rumor da fonte, o caminho da incredulidade leva ao desaparecimento: "Sentiu sono,
sentiu um pouco de frio. Tirou o
turbante, olhou-se num espelho
de metal. Não sei o que viram seus
olhos, porque nenhum historiador descreveu os traços de seu
rosto. Sei que desapareceu bruscamente como fulminado por um
fogo sem luz, e com ele desapareceram a casa e a fonte invisível e
os livros e os manuscritos e as
pombas e as muitas escravas de
cabelo negro e a trêmula escrava
de cabelo ruivo e Farach e Albucásim e os roseirais e talvez o Guadalquivir". Mas para o biógrafo de
Tadeo Isidoro Cruz, o homem
que não sabia ler ("Biografia de
Tadeo Isidoro Cruz - 1829-1874"),
quaisquer caminhos, por longos e
complicados que sejam, convergem, no destino de um homem,
para um único ponto: "O momento em que o homem sabe para sempre quem é".
Aurora Fornoni Bernardini é professora de
teoria literária da USP e autora de "O Futurismo Italiano" (Perspectiva).
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