São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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Fala, presidente

Meu nome é Getúlio

Para retomar o poder, Vargas ataca os privilégios e as oligarquias e promete fazer do país o "orgulho das Américas"

Por Isabel Lustosa

Trabalhadores do Brasil, Mais uma vez me apresento diante de vós para pedir-vos o voto, a mais valiosa prova de confiança que o povo pode dar a um homem público.
Mais uma vez enfrento adversários renhidos, intransigentes, sem nenhuma virtude cívica ou sentimento de amor pelo Brasil, ciosos de seus privilégios, agarrados a eles.
Quem diria que nossa pátria chegaria ao terceiro milênio dominada pelas mesmas velhas oligarquias que agora se aliam ao capital financeiro para tirar o sangue do povo? Quem diria que chegaríamos ao século 21 sem as nossas empresas estatais, cuja edificação foi levada a cabo à custa de tanto sacrifício? Empresas lucrativas que foram vendidas na bacia das almas a estrangeiros e seus testas-de-ferro, tirando das mãos dos brasileiros a produção do aço para a indústria, e o controle sobre as riquezas do subsolo, em um projeto de lesa-pátria que incluía também a venda da Petrobras. Coisas pelas quais tanto lutei.
Quem diria que veríamos novamente as manchetes dos jornais ocupadas com escândalos sensacionalistas que em nada engrandecem ou dignificam a imprensa brasileira? Aumentados em suas dimensões por parte dos envolvidos para fazer esquecer os reais problemas do povo. Sim, brasileiros, a quem aproveita essa seqüência de escândalos? Quem se beneficia com a retirada do foco dos problemas que realmente vos afligem?
Eu vos respondo: os mesmos de sempre, os eternos inimigos do povo humilde: os que se locupletam com o lucro exorbitante dos bancos; os que controlam os grandes monopólios de comunicação; os coronéis do latifúndio improdutivo e o grande capital financeiro internacional.

Preso ao destino
São eles que não desejam a valorização do homem assalariado nem as leis trabalhistas, menos ainda a legislação sobre os lucros extraordinários.
São eles que subvencionam brasileiros inescrupulosos; que seduzem os ingênuos e que -em nome de um falso idealismo e de uma falsa moralidade, dizendo atacar sórdido ambiente corrupto que eles mesmos, de longa data, vêm criando- procuram evitar a libertação nacional.
São eles que querem manter-vos na obscuridade, no atraso, sem escola e sem saúde, pedintes, massa de manobra para seus projetos antipatrióticos. Contra eles lutei e continuarei lutando.
Sou candidato por não poder assistir sem lutar à derrocada do patrimônio nacional, à desmoralização do funcionário público e ao sucateamento das repartições. Sou candidato porque não posso assistir ao abandono a que foi relegado o homem do campo, sem nenhuma assistência contra a miséria das secas e das enchentes que milenarmente o vêm obrigando a abandonar seu lar e sua terra; sou candidato porque não posso suportar a visão de milhões de jovens brasileiros fora da escola e sujeitos aos apelos fáceis do crime; sou candidato porque tenho que me manifestar em defesa das conquistas dos trabalhadores que vêm sendo gradativamente sabotadas.
Venho como um homem cansado da luta, derrotado mas nunca vencido, pois foi por vós que sobrevivi às odiosas campanhas que contra mim moveram os vossos inimigos.
Não me arrependo e não me queixo do abandono em que me deixaram depois de tantos anos no serviço da pátria. Depois de tantos anos no poder eu me vi inteiramente só e desacreditado. Meus inimigos queriam mais, queriam arrastar a mim e a minha família na lama.
A derrota só não lhes bastava, era necessária a humilhação do presidente e, com ela, a de seu povo. Aceitei o sacrifício com resignação pois sei que a pátria nada nos deve, nós é que a ela tudo devemos: trabalho, dedicação e amor.

A grande pátria
Eu vos conclamo a me auxiliar nessa luta pela reconquista de todas as ações pelo desenvolvimento do Brasil e dos brasileiros que empreendi nos tantos anos em que mereci a confiança e o amor de vocês. Um homem não pode fugir ao seu destino e o meu está definitivamente associado ao vosso. Quero vos servir, quero fazer do Brasil, convosco, a grande pátria de um grande povo, orgulho das Américas.
Estou pronto: levai-me convosco.
Meu nome é Getúlio Vargas.


ISABEL LUSTOSA é cientista política e historiadora da Casa de Rui Barbosa (RJ).


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