São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006 |
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Fala, presidente Jânio brande a vassoura Ex-presidente, que renunciou em 1961, afirma que se concentrará nos temas da "realidade periclitante" do Brasil atual, como a corrupção e o mau uso do português Por Marcelo Tas
Não vou gastar o
vernáculo convosco, exaustos leitores e eleitores brasileiros. Basta
apertar a tecla "play" da vossa
memória e pimba! O meu mais
conhecido epíteto musical diz
tudo o que cada um de vocês
precisa ouvir neste momento:
"Varre, varre, vassourinha
Varre, varre a bandalheira
Que o povo já tá cansado
De sofrer dessa maneira"
Não é hora para longos intróitos. Sei que devo contar com a desvantagem de ter vossa atenção fúlgida como interlocutora frágil e traiçoeira. Em vida, fui desgostado por alguns e contrariado por não poucos. Mas recolhendo, no extremado culto da verdade, a certeza de não enganar os que me interpelam, a segurança de não ludibriar o povo. As graves responsabilidades da candidatura virtual que agora defendo me impõem afirmações necessárias ao julgamento da opinião pública brasileira. E, por que não dizer, do continente. Já que, atualmente, não bastasse o atual ocupante do Planalto, ainda temos que ingerir batráquios da estirpe de Morales e Chávez [presidentes da Bolívia e Venezuela] como se estadistas fossem. Oh, cruéis tempos modernos... São tantos os temas urgentes da realidade periclitante em que vocês vivem imersos! Mas intelectuais sofisticados preferem gastar tinta e papel na discussão do namoro aquático da menina Cicarelli no YouTube. Sim, queridos e mortais leitores, vou lhes revelar um segredo: aqui onde estou tem banda larga. Quando morremos vamos para o hiperespaço. Não tem nada daquela história de céu e inferno. É tudo junto. Conectado. Na verdade, sempre estive à frente de meu tempo. Disparava bilhetinhos quando a humanidade nem sonhavam com e-mails, torpedos ou SMS. Ontem mesmo, navegando pelo Google encontrei minha carta-renúncia. Que obra-prima! Mais atual do que nunca. "Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim." Mesmo com tantas evidências proféticas, tanto preto no branco, ainda há quem diga não entender que "forças terríveis" eram aquelas. Permitam-me aliviar o riso que pressiona minhas entranhas: hahahahahahaha! Ora, ora, quem ainda estiver confuso com a história do Brasil que vá até o Orkut investigar comunidades que expliquem seu mistério profundo. Eu transcendi. Vocês, ao contrário, continuam viajando na maionese pastosa que é a realidade brasileira. Blablablá eletrônico Outrora eretos e ágeis, prontos para acompanhar a saída das palavras pela minha boca, meus bigodes estão envergonhados com o Brasil. Minha alma é de puro luto. O que harmoniza, mas não atenua, a minha situação patética de mortinho da Silva. Ainda bem que não os tenho mais. Meus finados ouvidos estariam esfolados pelos boquirrotos que empesteiam o horário eleitoral gratuito. Que de gratuito, diga-se, não tem nada. O presente blablablá eletrônico custou R$ 200 milhões aos cofres públicos. Na forma de descontos no Imposto de Renda às empresas de comunicação que o transmitiram "gratuitamente". Lá estavam os mesmos que já me acusaram de retórica populista e comportamento extravagante. Antes, riam das minhas tentativas de proibir biquínis, brigas de galo e regularizar o carteado. Agora, acham normal seus auxiliares transportarem notas de dólares não-contabilizadas nas roupas de baixo. São tantos os desmandos atuais da nação que, se eleito, certamente seria difícil escolher por onde começar a colocar ordem nesta verdadeira casa-da-mãe-joana. Talvez pelos plurais, quiçá pelos pronomes, ambos açoitados impiedosamente pelo atual invertebrado em letras que ocupa o cargo de presidente da República. Pobres pronomes. Não deveriam aguardar minha eleição para que se coloquem nos seus lugares. Já que estão sempre neles. A boemia dos verbos é que mutila a boa ordem das frases. Há que lhes perdoar, pobres diabos, os verbos. Sempre ansiosos. Não se desgrudam da idéia de movimento... Já estou a tergiversar. É hora de voltar à eternidade. Pergunto-me: de que adiantou todo este falatório? A essa altura, um novo presidente já pode estar sendo irremediavelmente eleito por vocês. E pior: daqui onde estou não posso mais cravar os dentes num bom naco de perna de cabrito do Capuano [restaurante de SP]. Nem refrescar a língua com uma talagada de Sapupara Ouro. Ah, "marvada"... Sinto-lhe até o aroma. Bebe-la-ia em vossa homenagem, querida jovem e frágil democracia brasileira. Saúde! E saudades! MARCELO TAS é ator e jornalista e está em cartaz no Tucarena, em São Paulo, com a peça "A História do Brasil segundo Ernesto Varela". Texto Anterior: Meu nome é Getúlio Próximo Texto: Saiba mais sobre os ex-presidentes Índice |
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