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LIVROS
Coletânea "O Cinema Brasileiro" traz críticas da Folha em edição bilíngue
Dos filmes destes solo
da Redação
Leia, a seguir, um trecho do prefácio escrito por Amir Labaki para
a antologia "O Cinema Brasileiro", por ele organizada.
A edição, bilíngue (português/inglês), chega às livrarias
neste mês e traz uma seleção de
críticas representativas da produção cinematográfica nacional feitas após 1960 por jornalistas e articulistas da Folha. Ela também será
distribuída em Nova York, durante o festival de 59 longas brasileiros no MoMA (Museu de Arte
Moderna), que acontece entre 13
de novembro e 22 de janeiro.
AMIR LABAKI
Entre os triunfos internacionais
de "O Pagador de Promessas"
(Palma de Ouro, Cannes-62) e
"Central do Brasil" (Urso de Ouro, Berlim-98), transcorreram alguns dos capítulos mais brilhantes
da história do cinema brasileiro.
Curiosamente, ambos filmes impuseram-se como marcos de movimentos com os quais estabeleceram relações atípicas.
"O Pagador de Promessas", rodado por Anselmo Duarte a partir
da engajada peça de Dias Gomes,
sinaliza o amadurecimento de
uma cinematografia em plena
ebulição pré-Cinema Novo, apesar de Duarte e seus filmes jamais
participarem do movimento. Por
sua vez, com "Central do Brasil"
Walter Salles completa a longa
transição geracional em favor dos
jovens realizadores que protagonizam hoje a retomada da produção. Contudo, mesmo egresso como muitos deles do curta-metragem e do documentarismo, Salles
é um caso especial e único, pela
antiguidade de sua estréia (1991) e
pela variedade de sua obra ficcional. Além disso, seu filme anuncia
os novos tempos ao mesmo tempo
que realiza, em seu arco de influências, a súmula improvável
entre o auge do Cinema Novo
("Deus e o Diabo na Terra do
Sol", "Os Fuzis" e "Vidas Secas") e o melhor dos anos Embrafilme ("Bye Bye Brasil", "Iracema", "Pixote, A Lei do Mais Fraco").
"O Pagador de Promessas", assim como "Central do Brasil", é
um dos tantos marcos inaugurais
desse cinema brasileiro que tem
por história uma crônica de surtos
e colapsos. Jamais a produção solidificou bases industriais. Anselmo
Duarte e Walter Salles são, assim,
tão pioneiros quanto Affonso Segretto, Mário Peixoto, Humberto
Mauro, Alberto Cavalcanti, Nélson Pereira dos Santos, Roberto
Santos e Glauber Rocha.
O cinema desembarcou no Brasil apenas sete meses depois da
projeção inaugural parisiense dos
irmãos Lumière. A primeira projeção pública aconteceu no Rio de
Janeiro em 8 de julho de 1896,
através de um "omniográfo".
Debates sobre a honra da primeira
filmagem até hoje se mantêm, mas
convencionou-se datá-la em 19 de
junho de 1898, quando o imigrante italiano Afonso Segreto rodou,
chegando ao Rio por mar, "Fortalezas e Navios de Guerra na Baía
de Guanabara".
Os primeiros dez anos limitam-se em geral aos registros documentais. O grande momento da
era muda acontece entre 1908 e
1911, passando à história como a
belle époque do cinema brasileiro.
É o período do primeiro ciclo de
filmes de ficção, estando a produção escorada por um sólido circuito de distribuição e exibição.
O primeiro grande colapso
acontece entre 1911 e 1912, como
que prenunciando a conquista do
mercado pelas produções internacionais, americanas à frente. Até o
fim da era muda o centro de produção transferiu-se para São Paulo (Gilberto Rossi, José Medina),
vivendo-se ainda intenso período
de ciclos regionais (Amazonas,
Minas Gerais, Pernambuco, Rio
Grande do Sul).
Quatro nomes se destacariam.
No Rio, em meados dos anos 10,
estreava o eclético Luiz de Barros,
que desenvolveu uma das mais
prolíficas carreiras no cinema brasileiro. Na década seguinte, Adhemar Gonzaga partia do jornalismo
(a revista "Cinearte") para se tornar um dos mais completos homens de cinema surgidos no país,
fundando em 1930 o primeiro
grande estúdio nacional, a Cinédia.
Na pequena Cataguases mineira,
vinculada à já decadente economia cafeeira, surgia no final dos
anos 20 o primeiro grande cineasta nacional, Humberto Mauro,
sob a forte influência inicial das
aventuras de Henry King e dos
melodramas de Griffith. Pouco
depois, já no ocaso da era muda, a
produção experimental brasileira
conhecia seu primeiro grande
marco com "Limite" (1930), rodado por um jovem de 18 anos,
Mário Peixoto.
O advento do cinema sonoro detona o longo ciclo de comédias
musicais populares, que passam à
história como chanchadas. A Cinédia de Gonzaga cumpre papel
pioneiro, perdendo a hegemonia
nos anos 40 para os estúdios da
Atlântida.
A simplicidade das tramas e o
caráter "clownesco" do humor
de Grande Otelo e Oscarito estigmatizou as chanchadas como um
cinema vulgar e comercial. Visando lançar as bases de uma produção "artística" em bases industriais, surgia na São Paulo da virada dos anos 40-50 a Companhia
Vera Cruz, liderada por Alberto
Cavalcanti e moldada na Cinecittà
italiana.
A ênfase fixava-se então na abordagem de temas nacionais filmados a partir de sólidos valores de
produção. Os elevados custos produtivos jamais encontraram o alicerce de um sistema eficiente de
distribuição e exibição. A história
de Vera Cruz já era a crônica de
uma falência anunciada quando
"O Cangaceiro", de Lima Barreto, tornou-se em 1954 o primeiro
grande sucesso internacional do
cinema brasileiro, arrebatando
dois prêmios no festival de Cannes.
A aposta no modelo industrial
dos estúdios é substituída a partir
de meados dos anos 50 pela crença
na produção independente de filmes de orçamentos modestos. A
influência do neo-realismo italiano fez-se sentir, no eixo Rio-São
Paulo, em filmes como "Agulha
no Palheiro" (1953) de Alex
Viany, "Rio 40 Graus" (1955) de
Nelson Pereira dos Santos, "A Estrada" (1957) de Oswaldo Sampaio e "O Grande Momento"
(1958) de Roberto Santos.
Os ecos dessa produção mais ligeira e barata, rodada ao ar livre
por equipes compactas, chegaram
ao Nordeste, estimulando sobretudo na Bahia o desenvolvimento
de um novo ciclo cinematográfico
("Redenção", "A Grande Feira", "Bahia de Todos os Santos"). Um dos jovens então estreantes chamava-se Glauber Rocha.
Glauber não demorou a estabelecer laços com profissionais experientes, como o fotógrafo e produtor Luiz Carlos Barreto e o diretor Nelson Pereira dos Santos, assim como com uma nova geração
de cineastas de esquerda do Rio de
Janeiro (Arnaldo Jabor, Carlos
Diegues, David Neves, Joaquim
Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Ruy Guerra, entre outros).
Formava-se, assim, no início dos
anos 60, o núcleo central do movimento batizado de "Cinema Novo". O lema passava a ser "uma
câmera na mão, uma idéia na cabeça": filmagens ao ar livre
(neo-realismo), com equipamentos leves ("Nouvelle Vague"),
abordando histórias e personagens brasileiros.
Num desses paradoxos de que se
constrói a história, o triunfo em
Cannes-62 de um ex-ator da combatida Vera Cruz tornado diretor
(Anselmo Duarte) abre as portas
para a consagração internacional
dos primeiros filmes cinemanovistas. Não eram filmes quaisquer:
quase simultaneamente, em 1963 e
1964, ficavam prontos os títulos da
"trilogia do sertão" -"Deus e o
Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, "Os Fuzis", de Ruy
Guerra, "Vidas Secas", de Nelson Pereira dos Santos. A miséria,
a fome, a opressão e a religiosidade do Nordeste brasileiro chegavam às telas em narrativas cinematográficas de rara originalidade
e contundência.
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