São Paulo, Domingo, 02 de Janeiro de 2000


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Ponto de fuga

Estrelas e listas

Jorge Coli
especial para a Folha

A grande retrospectiva do Whitney Museum, em NY, consagrada à arte americana do século 20, completa agora sua segunda e última parte. Ela se organiza cronologicamente, década por década, indo de 1950 ao ano 2000. Concentra uma enorme quantidade de obras; sua virtude principal é a própria abundância, o cuidado em não deixar lacunas, o que já é inestimável. Tudo é muito claro, de uma clareza "didática", que simplifica sem levantar problemas. Os "movimentos" se situam em progressão, em coerência, que eliminam contradições e contrastes; o percurso se faz sem dificuldades. Ela exclui, como a precedente etapa, o diálogo da cultura americana com a produção internacional. Esse fechamento sobre si conduz a um nítido triunfalismo: a fabulosa qualidade da produção dos EUA, que é efetiva, afirmar-se, desse modo, por si só. O catálogo, muito rico, prolonga a percepção "didática" das coisas; com boxes histórico-sociológicos, ele parece um manual de alto nível. Conclui celebrando um novo chauvinismo: a cultura americana termina o milênio reconhecendo a origem de suas próprias forças, que está na multiplicidade das diferentes culturas que a compõem. Ou seja, todas as culturas são boas, desde que façam parte da cultura americana maior. A primeira década, 1950-1960, é intitulada "A América Toma o Comando". O título geral da exposição é: "The American Century". Ou seja, o século americano.
Embriaguez - Pollock, De Kooning, Motherwell, Rothko, entre outros, criaram, nos EUA, a arte mais suntuosa. São sempre telas imensas, são sempre acordes sustentados de belas cores, é sempre a contemplação, elevada e forte, de secretas harmonias, luxuosas, hedonistas. Nesse pós-guerra artístico há como que uma ostentação "Grand Siècle", afirmativa, opulenta. A segunda parte da mostra "The American Century" inicia-se assim, lá no alto, com as abstrações do pós-guerra encontrando, de imediato, um esplêndido apogeu.
Velho - O catálogo da mostra no Whitney Museum fecha-se de um modo cândido: "Duas antigas questões ainda são atuais: o que é arte? e o que é americano?". A melhor maneira para deixar escapar a análise do que é pertinente, novo e vivo é propor questões gerais: elas pressupõem uma resposta tácita, que elimina o próprio princípio da questão. Basta imaginar, por exemplo, uma exposição em Berlim, 1939, na qual surgissem as questões: "O que é arte? e o que é alemão?".
Adolescência - Parece "A Bruxa de Blair". A câmara no ombro corre e não desgruda do personagem; enquadra de perto, muito de perto; tudo balança e se mexe, embora a qualidade da edição seja muito mais controlada e o "profissionalismo" mais evidente do que no filme da bruxa. Mas a sensação do espectador, diante dos dois, é parecida: "cinéma-verité", neo-neo-realismo, fantástico num caso, social no outro. As críticas internacionais ao filme "Rosetta", dos irmãos Dardenne, premiado com a Palma de Ouro, em Cannes, foram tão elogiosas que, diante delas, a comparação com "A Bruxa de Blair" deve parecer um insulto para alguns. "O mais belo e o maior filme de nossos dias" ("Libération"); "retomada marxista da "Mouchette" de Bresson" ("Village Voice"). O filme é, de fato, muito forte. A fúria vigorosa, embora sofrida e impotente, da jovem, não larga o espectador desde o início. Talvez haja também um truque de estilo e a força nauseante, melodramática, pode ser que venha facilmente demais, oferecida demais, por essa câmara que persegue a atriz na ponta da mira, como uma arma. É melhor deixar o filme decantar um tempo para perceber melhor as dimensões de sua grandeza.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com


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