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Um jornalista no front
EUCLYDES FOI TRATADO COM PRIVILÉGIOS ENTRE OS REPÓRTERES
DE CANUDOS, VIAJOU COMO
ADIDO MILITAR E TEVE DIREITO
ATÉ A UM ORDENANÇA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Euclydes da Cunha colaborou para jornais
desde o final do Segundo Reinado. Mas
foi com o advento da
República que passou a escrever de forma mais regular nos
periódicos da capital federal e
principalmente no "Estado de
S. Paulo". O maior conjunto de
reportagens tratou da Guerra
de Canudos. Até então, Euclydes era um engenheiro que trabalhava para o governo paulista e que tinha ficado conhecido
por ter sido expulso da Escola
Militar em 1888.
Entre março e outubro de
1897, publicou 34 artigos e reportagens em "O Estado de S.
Paulo" tratando do conflito. O
primeiro a 14 de março. Deu o
título de "A Nossa Vendeia"
[em referência à região que defendia a monarquia e resistiu à
Revolução Francesa], imagem
que não era nova: tinha sido
utilizada em outro artigo, publicado em 1892, quando comentava o manifesto dos 13 generais contra a permanência
de Floriano Peixoto na Presidência da República.
Não fez qualquer referência
aos graves acontecimentos
ocorridos no Rio de Janeiro e
em São Paulo, logo após a chegada das notícias da derrota da
terceira expedição: jornais foram incendiados e saqueados e
o coronel Gentil de Castro foi
assassinado (em "Os Sertões",
Euclydes descreve esses acontecimentos, contudo omite o
assassinato do coronel).
Naquele artigo, diferentemente de outros jornalistas,
buscou as raízes da formação
de Canudos e dos sertanejos,
estes ainda descritos como
"um tipo etnologicamente indefinido".
Só voltou ao tema quatro
meses depois, quando a quarta
expedição, comandada pelo general Artur Oscar, cercava Canudos com milhares de soldados. Tudo indica que aproveitou para se preparar para a viagem e conseguir fazer parte da
comitiva que levaria o marechal Carlos Machado Bittencourt, recém-nomeado ministro da Guerra, para Monte Santo, no sertão baiano, de onde
organizaria a linha de abastecimento para as tropas que estavam combatendo em Canudos.
Diferentemente de outros
jornalistas que cobriram o conflito (cerca de uma dúzia),
Euclydes foi como adido do Estado-Maior do ministro da
Guerra. Isso facilitou sua viagem e inclusive a curta estada
(duas semanas) em Canudos,
onde teve até um ordenança,
concedido pelo general Artur
Oscar, caso único entre os jornalistas.
A aventura
Entre a partida do Rio de Janeiro e a permanência em Salvador, foram publicados 11 artigos. Aproveitou para pesquisar
sobre o sertão, a política baiana
e a figura de Antônio Conselheiro, percorreu arquivos, visitou redações de jornais, conversou com intelectuais, foi aos
hospitais onde estavam os feridos da guerra.
A melhor reportagem feita
em Salvador foi a do dia 18 de
agosto. Entrevistou um jaguncinho -expressão pela qual ficaram conhecidos as crianças e
os adolescentes trazidos prisioneiros de Canudos- que veio
para a capital baiana trazido
pelo coronel Carlos Teles. Chamava-se Agostinho.
O garoto de 14 anos possibilitou que o jornalista pudesse conhecer detalhes da vida cotidiana do "arraial sinistro". Para
sua surpresa, o garoto informou que o Conselheiro não fazia milagres e negou que ele assegurasse ressuscitar os sertanejos mortos.
O líder de Canudos só prometia "salvar a alma". Não é de
estranhar que o escritor de "Os
Sertões" tenha suprimido
Agostinho de seu livro. Afinal,
salvar a alma não tinha nada de
messiânico, nem de fanatismo:
era parte do cristianismo tradicional sertanejo.
Registrou inúmeros dados e
desenhou croquis em uma caderneta, sempre na expectativa
de partir para Canudos.
No trajeto entre Salvador e
Canudos, escreveu 13 artigos.
Demonstrava satisfação pelo
conhecimento da natureza do
sertão: "Entrei pela primeira
vez nas caatingas, satisfazendo
uma curiosidade ardente, longamente alimentada".
Chegou ao acampamento das
tropas que cercavam Canudos
no dia 16 de setembro, 43 dias
depois da partida da capital federal. De lá escreveu sete reportagens. Estava doente.
Ceou várias vezes com o general Artur Oscar. Reencontrou antigos companheiros da
Escola Militar. Caminhou pela
região, participou de interrogatórios de conselheiristas, desenhou maquetes do arraial e do
entorno e efetuou inúmeras
anotações.
O jornalista estava sendo
substituído pelo escritor. Deixou de noticiar fatos importantíssimos, como a rendição de
Antônio Beatinho, a 2 de outubro, a intensificação dos combates e a queda do arraial, a 5 de
outubro.
Nota-se, consultando os
exemplares de "O Estado de S.
Paulo", que o jornal foi obrigado a transcrever o noticiário
dos jornais cariocas, na ausência de artigos de seu correspondente. Em parte, devido ao
agravamento do estado de saúde do jornalista, o que o obrigou
a se dirigir a Monte Santo antes
do término da guerra.
As reportagens de Euclydes
da Cunha, conhecidas como
"Diário de uma Expedição",
não tiveram repercussão. Só ficaram efetivamente conhecidas quando foram editadas em
forma de livro, em 1939, pela
editora José Olympio, com
uma longa introdução de Gilberto Freyre.
Os principais jornais brasileiros eram os cariocas, como
"Gazeta de Notícias", "Jornal
do Commercio", "A Notícia" e
"O País". Estes enviaram correspondentes para o teatro de
guerra. E foram aqueles que influenciaram a opinião pública.
Um deles, Manoel Benício, do
"Jornal do Commercio", teve,
inclusive, de regressar para a
capital federal após fazer duras
críticas ao comandante da
quarta expedição.
(MARCO ANTONIO VILLA)
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