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A condição humana
EUTANÁSIA É TEMA DE "MENINA DE OURO" E "MAR ADENTRO", EM CARTAZ EM SP
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Por uma fantástica coincidência, dois filmes que entraram
em cartaz quase ao mesmo
tempo abordam o mesmo assunto, a eutanásia, isto é, a idéia de
proporcionar a alguém que sofre
uma morte amena. Por uma coincidência maior ainda, ambos foram
premiados com o Oscar. "Menina de
Ouro" levou o de melhor filme, entre
outros. "Mar Adentro" ficou com o
de melhor filme em outra língua que
não o inglês.
As semelhanças ficam por aí. O espanhol Alejandro Amenábar fez um
filme militante, dedicado a demonstrar que Ramón, protagonista de
"Mar Adentro", merece de fato morrer. É possível. Ramón é tetraplégico, recusa-se a usar cadeiras de rodas ou algo assim, permanece deitado em uma cama há quase 30 anos.
Ele imagina sua vida como se fosse a
repetição eterna das duas horas de
um filme insuportável -como
"Mar Adentro", digamos.
É difícil dizer se, por um justificável pudor, Amenábar evita impor ao
seu público a idéia de que a morte de
Ramón seria a melhor solução. Com
efeito, ao longo do filme ele se apaixona por uma mulher, uma outra se
apaixona por ele, ajuda o sobrinho a
crescer e, de resto, publica um livro.
Ufa! Muita gente em pleno domínio
de seus movimentos não faz tanta
coisa em tão pouco tempo. Ou, antes, quase ninguém.
Existe em "Mar Adentro" algo que
não diz respeito à eutanásia nem nada assim: é a sincera paixão pela
morte que Ramón parece professar.
O que não o impede de, no único
momento realmente interessante do
filme, manter com um padre uma
discussão em que a inteligência de
seu anticlericalismo se revela por inteiro. Ramón parece mais, no fundo,
um suicida que não pode se suicidar
por falta de movimento nos braços.
E não teria sido, talvez, o acidente
que o vitimou já uma tentativa de
suicídio?
Bem diferente é o caso de "Menina
de Ouro", em que existe um filme de
boxe no início e uma eutanásia (nada legal, no mais) no final. Ali, a lutadora Maggie vê sua carreira cortada
por um descuido e um ato desleal.
Ela suporta a imobilidade bem melhor do que Ramón, até o momento
em que se vê forçada a amputar a
própria perna. Maggie pede então a
seu treinador (e pai, a rigor), Frank
Dunn, que desligue o tubo pelo qual
respira.
Podemos, nesse caso, dizer que
Clint Eastwood, autor do filme, de
certa forma nos constrange a partilhar o sentimento de Maggie e
Frank, já que a condição da menina
é de fato desesperadora.
No entanto é pouco provável que
esse seja um filme sobre eutanásia.
Também não é sobre boxe. É um filme sobre a fé e a dúvida. Tendemos a
nos esquecer -pois Eastwood trata
essas seqüências quase como um
"subplot" cômico- dos momentos
em que Frank vai à igreja. Seu movimento é contraditório. Ele ora como
um bom católico. Mas as questões
que dirige ao padre não são menos
provocativas que as de Ramón do
outro filme, por exemplo.
No entanto, se Ramón vai aos tribunais, Frank vai ao padre perguntar-lhe se pode ou não fazer isso. O
padre responde que ele não conseguiria viver com esse fato. A questão
se resolve com Frank praticando a
eutanásia e desaparecendo. Isto é:
com muito menos verborragia do
que o espanhol. O norte-americano
nos mostra uma situação de que
Frank não pode fugir. Era absolutamente indispensável que desligasse
o tubo. Era igualmente impossível
conviver com a lembrança desse ato.
Um ato que -é esse o sentido das
discussões com o padre- não dizia
respeito a Deus, mas aos homens; a
nenhum tribunal, mas a uma decisão individual, tão necessária quanto insuportável. Essa a magnífica
tragédia de Frank Dunn.
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