São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Experiências oníricas na Grécia Antiga

As Portas do Sonho
184 págs., R$ 39,00 de Adélia Bezerra de Meneses. Ed. Ateliê (r. Manoel Pereira Leite, 15, CEP 06709-280, Cotia, SP, tel. 0/xx/11/4612-9666).

Caio Caramico Soares
da Redação

Quando sonha, todo homem é poeta", diz a crítica Adélia Bezerra de Meneses -professora de teoria literária na USP e Unicamp- em "As Portas do Sonho", um estudo sobre o valor cultural da experiência onírica na Grécia Antiga.
O ensaio é dividido em cinco partes. As duas primeiras, introdutórias, discutem temas como a "teoria" helênica de que os sonhos seriam de dois tipos: os premonitórios e os enganosos. Estes viriam ao sonhante por "portas de marfim"; aqueles, por "portas de chifre". A explicação dessas metáforas, segundo a autora, pode deitar raiz na lógica do trocadilho, tão valorizada na psicanálise: chifre ("keras") remeteria a "realizar-se" ("krainein") e marfim ("elephantínon") a "enganar" ("elephairomai"). Já a "porta" condensaria a idéia do sonho como elo de "mediação entre dois mundos".
Nos outros textos, Meneses focaliza passagens da "Odisséia" e das tragédias "As Coéforas", de Ésquilo, e "Electra", de Sófocles, em que se narram sonhos "típicos", quer dizer, diretamente tributários dos "arquétipos culturais" que impregnavam de sentido os céus e a terra, o dia e a noite naquela sociedade.
Meneses inicialmente delimita a leitura que imagens como a "serpente" ou a "águia" receberiam à época, segundo fontes como a "Oneirocrítica" de Artemidoro de Daldis (século 2º d.C).
Em seguida, ela "ressignifica" esses símbolos como produtos do inconsciente, que como tais se prestariam a decifração moderna, sobretudo freudiana. Penélope, ao sonhar com a águia que destroça os gansos, estaria projetando menos a vitória de Ulisses sobre os pretendentes -sentido manifesto- do que uma cena primordial de coito parental.
Se há arbitrariedade aqui, ela é temperada pelo caráter lúdico que Meneses dá a suas interpretações e por um preceito tomado a Benjamin: "O problema não é apresentar a obra literária em conexão com seu tempo, mas sim tornar evidente, no tempo que a viu nascer, o tempo que conhece e julga, ou seja, o nosso". Tal "anacronismo esclarecido" parece, por sua vez, se articular a reflexões esboçadas pela autora no final, sobre a "delicada questão da dialética entre arquétipos culturais e símbolos universais".


Texto Anterior: + livros: A obra em processo e os limites da tradição
Próximo Texto: Perambulação com rumo certo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.