São Paulo, domingo, 4 de janeiro de 1998.



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Livro traz entrevistas de Prestes

HAROLDO CERAVOLO SEREZA
da Redação

Para uma pessoa que viveu mais de 90 anos, a reunião de suas opiniões é sempre reveladora de contradições, acertos, erros, autocríticas, mas, principalmente, da história do período. Se essa pessoa é Luiz Carlos Prestes (1898-1990), tudo isso se multiplica.
Prestes foi tenente do Exército, general da Coluna Miguel Costa-Prestes, senador constituinte em 1946 pelo PCB, mas, sobretudo, secretário-geral do partido. E, como tal, porta-voz da esquerda organizada, legal ou ilegalmente, até o surgimento do PT, momento que coincide com sua ruptura com o "Partidão" e a aproximação crítica com Leonel Brizola.
"Prestes com a Palavra", organizado por Dênis de Moraes, reúne entrevistas desse porta-voz desde o exílio na Bolívia, após a Coluna, em 1927, até o ano de sua morte. Moraes é professor do Instituto de Arte e Comunicação da Universidade Federal Fluminense e autor de "Prestes - Lutas e Autocríticas" (com Francisco Viana).
As primeiras entrevistas mostram o Prestes pré-comunista, alarmado com a realidade social e política do país. Só em 1930, a "O Jornal", Prestes passa a defender a ideologia comunista, rompendo com os tenentes que liderou na marcha de 25 mil quilômetros.
Segue-se uma lacuna que diz muito. São 15 anos de silêncio -a entrevista seguinte é de 1945, quando deixa a prisão da ditadura de Getúlio Vargas. O levante da Aliança Nacional Libertadora é de 1935, e mesmo sua entrada oficial no PCB, então Partido Comunista do Brasil, só acontece em 1934. São fatos registrados apenas como passado, nunca como presente, nas entrevistas.

AS OBRAS
Prestes com a Palavra - Organização: Dênis de Moraes. Ed. Letra Livre (r. Indiara, 140, CEP 79040-830, Campo Grande, MS, tel. 067/726-4000). 363 págs. R$ 29,00.

A Esquerda Positiva - Gildo Marçal Brandão. Ed. Hucitec (r. Gil Eanes, 713, CEP 04601-042, SP, tel. 011/240-9318). 290 págs. R$ 25,00.



O período pós-45 é o mais rico em contradições. As entrevistas de Prestes são, assim, um bom exemplo para mostrar as oscilações nas posições do PCB até 64, estudadas em "A Esquerda Positiva - As Duas Almas do Partido Comunista - 1920-1964)", de Gildo Marçal Brandão, tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo e recém-lançada pela Hucitec.
"Durante a República Liberal, os comunistas passam de uma interpretação quase acrítica do capitalismo -no momento em que emergem para a legalidade (...)- para uma visão apocalíptica e catastrofista, entre 1948 e 1954, quando consideram o país em via de se tornar mera colônia dos EUA", escreve Brandão.
Diz Prestes, em abril de 1945, ao "Correio Paulistano": "Enquanto estiverem unidas (as duas democracias burguesas, EUA e Inglaterra, e a democracia proletária, a União Soviética), o mundo terá paz. Mas esta união depende de cooperação interna. Por isso, os trabalhadores devem estender a mão à burguesia, mesmo cedendo e fazendo concessões, para que a paz não seja perturbada".
O PCB apóia Adhemar de Barros na sua candidatura ao governo de São Paulo, e, em 1946, Prestes chega a afirmar a possibilidade de uma aliança com a UDN. Em 1947, o PCB perderia o registro legal, só recuperado nos anos 80.
Depois de 1956, graças a mudanças na política externa (crítica ao stalinismo pelo PC soviético) e internas (governos JK e Jango), começa o período de maior influência do PCB, com o discurso de aliança com a burguesia nacional para a realização de reformas.
Nos anos 70, sob o regime militar, Prestes voltaria a defender uma revolução socialista, e não democrático-burguesa, o que o levaria a romper com o PCB, que manteve, com alterações conjunturais, a proposição dos anos 50.
Nos últimos anos de vida, Prestes teve de se defrontar com a reestruturação da União Soviética, embora tenha morrido antes de sua dissolução. Deixou duras críticas a José Sarney ("É o mais submisso que há"), Ulysses Guimarães ("É um burguês que engana a classe operária") e Lula ("Um operário de talento; infelizmente não lê, não estuda").
Como não podia morrer sem ilusões, reservou elogios a Mikhail Gorbachov ("Um homem ilustre e ilustrado") pelas reformas que conduzia. Não imaginava ele que o ex-líder soviético estaria hoje estrelando comerciais da rede de "fast food" Pizza Hut.



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