São Paulo, Domingo, 04 de Abril de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Alquimia de metáforas

FREI BETTO
especial para a Folha

O que se faz com as palavras? Tece-se, tessitura, texto. Há tecidos pesados, como há blocos de conceitos, argamassa de definições, tijolos semióticos com os quais se erguem pirâmides pontiagudas, abrigos de sarcófagos vazios de significado. São os túmulos da literatura, literadura, liteiras onde se deitam as múmias de uma escrita que já nasce velha e se desfaz em pó. Rubem Alves, em "Entre a Ciência e a Sapiência - O Dilema da Educação" e "Concerto para Corpo e Alma", devolve às palavras o poder de gerar vida. "No princípio era o Verbo..." E o verbo desse autor de formação plural -filósofo, teólogo e psicanalista- reflete aquela excelência da literatura que, segundo Roland Barthes, faz do saber, sabor.
Na primeira obra, ele trata da educação, do prazer de ler e dos livros e subverte o conceito acadêmico de ciência. A segunda é uma sonata cuja harmonia traduz o olhar de um espectador atento às minudências da vida.
A escrita poética e coloquial de Rubem Alves o insere na família de artesãos da escrita, na qual se destacam, no Brasil, Mário Quintana, Adélia Prado e Manoel de Barros, que dispensam conceitos ao abordar as questões substanciais da existência. Não são engenheiros da palavra, são artistas. Não procuram, acham. Escrevem com as entranhas e fazem do cotidiano e do trivial a matéria-prima de seus poemas prenhes de densidade e beleza.
Nesses dois lançamentos, Rubem Alves revela uma outra faceta de seus múltiplos talentos: a culinária. Usa as palavras como quem, cercado de especiarias e ingredientes, produz iguarias deliciosas. Convida o leitor à mesa e à música. Sua alquimia é feita de metáforas, alegorias, analogias e aforismos. E muita ressonância musical. O que torna o seu texto leve e, ao mesmo tempo, profundo, como nos oito capítulos de "Entre a Ciência e a Sapiência", dedicados a responder, com fina ironia, a uma questão que tanto preocupa as mentes ilustradas: "O que é científico?".
Bom mineiro -coincidentemente nascido numa cidade cujo nome traduz bem o conteúdo de sua escrita, Boa Esperança-, Rubem Alves é um contador de causos. Mas não para apenas entreter o leitor, e sim para despertá-lo, devolvê-lo a si mesmo, remetê-lo ao contexto do país e do mundo por meio de um requintado jogo de linguagem.
Não há como separar, em sua escrita, estética e ética. E o faz com muito humor. "Sou mais sério" -confessa ele- "quando faço rir. Meu moto é "ridendo dicere severum': rindo dizer as coisas sérias". E o faz como quem convida o leitor a redescobrir, no ato de ler, o prazer de viver.



AS OBRAS
Entre a Ciência e a Sapiência - O Dilema da Educação - Rubem Alves. Ed. Loyola (r. 1822, 347, CEP 04216-000, SP, tel. 011/6914-1922 ). 152 págs. R$ 8,00.

Concerto para Corpo e Alma - Rubem Alves. Ed. Papirus (r. Gabriel Penteado, 235, CEP 13035-451, Campinas, SP, tel. 019/272-4500). 170 págs. R$ 18,00.




Frei Betto é escritor, autor de "A Obra do Artista - Uma Visão Holística do Universo" (Ática), entre outros.



Texto Anterior: Livros - Izidoro Blikstein: Polinésia freudiana
Próximo Texto: Marcelo Coelho: A emancipação do ilusório
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.