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Otília Arantes retoma sua crítica à arquiteturas moderna e pós-moderna
A emancipação do ilusório
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
Falar de pós-modernismo já se
tornou coisa fora de moda e até de
mau gosto. Defender a atualidade
da velha arte moderna nitidamente não funciona -a despeito dos
esforços de um filósofo como Jürgen Habermas, que ainda insiste
na necessidade de se cumprirem
as promessas emancipatórias, iluministas, racionais que o modernismo trazia consigo.
Otília Arantes vem construindo
uma obra rigorosa de crítica
aos pressupostos da arquitetura moderna,
sem render-se
às seduções
propagandísticas do pós-modernismo. Esse
"Urbanismo
em Fim de Linha" dá continuidade às reflexões de "O Lugar
da Arquitetura Depois dos Modernos" (Studio Nobel/Fapesp/Edusp), de 1993, e a "Um Ponto Cego no Projeto Moderno de Jürgen
Habermas" (Brasiliense, 1992),
escrito a quatro mãos com Paulo
Arantes.
É tarefa arriscada comentar os
ensaios desse livro. Não que os argumentos de Otília Arantes sobre
a arquitetura moderna -e sobre
seu colapso indiscutível- sejam
difíceis de acompanhar. Dentro
das espinhosas exigências de
quem segue a estética de Theodor
Adorno (1903-1969), a autora
apresenta com clareza sua linha de
pensamento.
A arquitetura moderna, a aventura protagonizada por Le Corbusier e Mies van der Rohe, entrou
em crise não por ter sido "traída"
pelo desenvolvimento histórico,
mas porque
cumpriu com
brilho as expectativas de
que era, em
parte, inconsciente. Aquela
utopia da racionalidade, da
planificação
urbana, da ordem e da limpeza não foi, a
rigor, o instrumento de modificação da sociedade e de criação de
um homem novo, como se pretendia, mas sim a tradução, em técnica construtiva, da produção estandardizada, da frieza do capitalismo burocrático.
Esse ideal estético se quebra
quando se quebra também a utopia do capitalismo organizado. O
pós-modernismo não deve ser visto, entretanto, com alegria e celebração -como se estivéssemos finalmente livres daqueles caixotes
verticais que nos impunha a ortodoxia moderna. Corresponde à
emancipação do ilusório, do
"efeitista", do falso.
A recuperação do Pelourinho,
em Salvador, é antes uma cenografia para turistas do que um investimento na velha idéia de uma
cidade "cívica", espaço de convivência e sociabilidade. Pois o
mundo da política, da "civis", do
urbano, enfim, foram destruídos
pelas novas alterações do capitalismo. É como se a idéia de "máquina" -penso na "máquina de
morar" concebida por Le Corbusier- fosse substituída pela idéia
da "mercadoria", da embalagem
turística, do supermercado retrô.
Claro que, diante desse duplo
diagnóstico crítico, Otília Arantes
desenvolve os mais sutis argumentos dialéticos, que tento sintetizar a golpes de machado. Nada
há no livro, entretanto, que desoriente o interessado pelo tema. Faço apenas uma ressalva.
O rigor de Otília Arantes, inspirado em Adorno, é ele próprio tributário do purismo modernista. A
autora abre pouco espaço para a
apreciação estética e nisto reside,
creio, sua divergência com Roberto Schwarz, tematizada num ensaio do livro.
Ora, quando Adorno escrevia
sua "Teoria Estética", nos anos
60, as conquistas do modernismo
pareciam definitivas. Rigor, estranhamento, incompreensibilidade,
altitude e falta de concessão funcionavam como categorias indiscutíveis ("indialetizáveis", no
fundo) no pensamento do mestre.
O universo do prazer estético, do
divertimento, entrava como que
clandestinamente no rigor adorniano. O livro de Otília Arantes
tem algo dessa dureza "antiestética" em suas rejeições ao modernismo e ao pós-modernismo. Mas
Adorno vivia num mundo de opções estéticas explícitas; é um filósofo, mais do que um crítico de arte, para quem os juízos de valor se
fazem por si mesmos, dentro da
ortodoxia vanguardista.
Muito uspianamente, Otília
Arantes faz crítica histórica, não
estética. Haveria aqui um ponto
cego? A beleza não está no centro
de suas considerações. Por isso,
observo marginalmente, as ilustrações do livro parecem deslocadas: remetem a uma materialidade
visual, a uma exemplificação empírica a que os textos não atendem.
Queixas de esteta incorrigível.
Mas a frieza desconsolada uspiana
e dialética de Otília Arantes, seu rigorismo, sua Bauhaus ensaística
dão muito o que pensar.
A OBRA
Urbanismo em Fim de Linha e Outros Estudos sobre o Colapso da Modernização
Arquitetônica - Otília Arantes. Edusp (av. Prof. Luciano
Gualberto, travessa J, 374, 6º andar, CEP 05508-900, SP, tel.
011/818-4008). 224págs. R$
30,00.
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