São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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"Foram os senhores da terra que esboçaram o primeiro perfil do Brasil colonial, ao passo que as populações urbanas -artesãos e pequenos funcionários, clérigos e pequenos comerciantes- foram suplantadas. Até o século 19, só algumas cidades -Salvador da Bahia e, sobretudo, a Recife holandesa- insinuaram a sua capacidade de influir na poderosa aristocracia latifundiária, que amava a vida rural e residia em meio a suas propriedades. A Espanha, por sua vez, imaginou seu império colonial como uma rede de cidades. Sem dúvida, em certas regiões prevaleceu a influência das grandes "haciendas" ou, melhor, dos velhos "encomenderos" que se fortaleciam em seus domínios; rurais, mas, ao contrário de Portugal, atribuía à colonização uma transcendência que não se limitava à exploração econômica."

"Entretanto alguma coisa identificava estas duas sociedades tão diferentes: a coincidência na revolução das expectativas. O migrante recém-chegado parecia-se com o mais alto executivo porque os dois queriam deixar de ser o que eram. Isso havia instaurado a crise: o triunfo definitivo da filosofia do bem-estar, definitivo sobretudo pela incorporação multitudinária a esse credo de pessoas que até a véspera não se teriam atrevido a acalentar a esperança de romper o círculo de fogo da miséria. No entanto, uma vez na cidade, ainda que no último degrau do setor sofrido da sociedade, parecia legítimo confiar no êxito econômico e na ascensão social. Melhores salários desejava aquele que ainda não havia conseguido o seu primeiro trabalho, porque já sabia em que ia gastar o primeiro dinheiro que chegasse às suas mãos: uma cama, uma roupa, um anel e depois talvez um rádio, uma batedeira e, quem sabe, uma geladeira. E melhores salários ou maiores rendas desejava o alto executivo porque fazia tempo que sabia em que gastá-los: um apartamento em um bairro de nível mais alto, um segundo automóvel para a sua mulher, um iate."

Trechos extraídos de "América Latina - As Cidades e as Idéias", de José Luís Romero, em tradução de Bella Josef.


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