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Recém-lançado na Inglaterra e previsto para sair no Brasil em 2006,
"Sábado" afirma Ian McEwan como um dos expoentes da ficção inglesa
Danos colaterais
JAMES URQUHART
DO "INDEPENDENT"
Perder seu filho de cinco anos
em um supermercado ou ver
um homem despencar para a
morte de um balão a cem metros de altura que você, ele e outros
deixaram coletivamente de ancorar:
alguns dos melhores romances de
Ian McEwan começam com situações altamente emocionantes que
retardam e definem a narrativa subseqüente.
"A Criança no Tempo" [ed. Rocco], que abordava temas de violência e perda, e "Enduring Love"
[Amor Duradouro, sem previsão de
lançamento no Brasil], que prolongava o trauma daquele acidente de
balonismo com uma culpa corrosiva
e uma obsessão insana, ambos
fluíam de calamidades terrivelmente
viscerais que envolviam e apanhavam de surpresa seus inocentes protagonistas.
Os personagens de McEwan
aprendem rapidamente que a "inocência" é um estado mutável e moralmente complexo, nunca livre de
suas perturbadoras irmãs, a responsabilidade e a culpa.
É isso que o eminente neurocirurgião Henry Perowne descobre, enquanto transita por um sábado que
se revela especialmente difícil. A
abertura de 50 páginas de "Saturday" [Sábado], embora menos cinematográfica do que um acidente de
balão, é magnificamente meditativa
e extensa, sem ser flácida.
Da janela de seu quarto, Perowne
presencia a imagem apocalíptica de
um cometa no céu noturno, que
vem a ser um avião em chamas sobrevoando o centro de Londres em
direção ao aeroporto de Heathrow.
Ou seria um ataque terrorista? Em
vez de dar o alarme, ele faz amor
com sua amada mulher, Rosalind,
que está despertando.
Verdades possíveis
Vistos de madrugada, os dois fatos, terror deliberado ou terrível acidente, são verdades igualmente possíveis. Perowne pensa no famoso
enigma do Gato de Schrödinger (cuja morte/vida para o observador externo é igualmente verdadeira até
que se abra a caixa para confirmar).
Esse tema paira sobre o dia de Perowne, emoldurando o tema igualmente poderoso e envolvente da responsabilidade pública e privada pelas conseqüências da ação ou inação.
Esse sábado particular é 15 de fevereiro de 2003, dia em que milhões de
pessoas se reuniram em Londres para marchar contra a iminente, embora ainda não decidida, invasão do
Iraque. Perowne se levanta, vai comprar peixe, visita sua mãe desmemoriada em um lar de idosos, telefona
para seu filho Theo, que está ensaiando com sua banda, e volta para
casa para preparar o jantar de uma
reunião de família delicada. Eles esperam o mal-humorado pai de Rosalind, o poeta John Grammaticus,
que insultou o primeiro sucesso literário de sua filha Daisy, que volta de
trem de um encontro com seu novo
namorado em Paris.
O aconchego doméstico e sonhador de Perowne, vivamente narrado
pela imaginação empática e livre de
McEwan, é minado pela sensação
desconfortável que sinaliza por trás
da trajetória dele desde que presenciou o temível não-cometa. Esse desconforto se materializa na forma de
Baxter, o motorista de uma BMW
com que ele colide a caminho de um
jogo de squash com um amigo.
Perowne escapa por pouco de uma
surra ao diagnosticar rapidamente a
doença degenerativa que alimenta a
hostilidade de Baxter; mas o efeito
colateral indesejável disso é que ele
acidentalmente humilha Baxter na
frente de seus colegas.
McEwan mistura com perfeição a
ansiedade de Perowne sobre a situação do mundo com uma comemoração ricamente detalhada e reflexiva de seu trabalho clínico, sua família e os prazeres físicos exuberantes
da vida: vinho, comida, música. Em
um forte contraste, Baxter não pode
ter os prazeres de Perowne; mas, se
seu estado (apanhado por um pequeno defeito genético que causa
uma doença precoce e escravizante)
pode ser alvo de simpatia no nível
social ou médico, sua agressão não
pode ser perdoada. Como equilibrar
ajuda e intervenção?
Na violenta prepotência de Baxter,
McEwan elabora uma contestação
direta aos argumentos inflexíveis
pró e contra a invasão, que Perowne
é obrigado a articular quando Daisy
chega animada da maciça manifestação antiguerra no Hyde Park e critica as opiniões equilibradas de seu
pai. Sua discussão repentina, esquentada e amarga, minutos depois
de se cumprimentarem após seis
meses de ausência, apenas salienta a
complexidade moral do dilema humanitário. A defesa frágil de Perowne toca a essência de "Sábado": nenhuma linha única de ação, incluindo a própria inação, deixa de resultar em conseqüências, baixas potenciais ou culpa.
Elaborar o mundo
Revigorante e envolvente, "Sábado" tem uma intimidade agradável,
cheia de revelações, sem nenhum
empecilho de argumentação dogmática. Perowne é um homem admirável, que lida o melhor que pode
com a idéia de mundo e seu lugar
responsável nele. Raramente lê a ficção que sua filha lhe recomenda porque, como clínico ateu, quer o mundo explicado factualmente, e não
reinventado como histórias.
O maravilhoso romance de McEwan demonstra como a boa ficção,
ao dramatizar idéias incômodas e
densas em uma narrativa profundamente pessoal, pode elaborar o
mundo em bocados às vezes mais
digeríveis que a reportagem factual.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Saturday
308 págs., 17,99 libras (R$ 90,00)
de Ian McEwan. Jonathan Cape (Inglaterra).
Onde encomendar
Livros em inglês podem ser encomendados,
em SP, na Fnac (tel. 0/xx/11/4501-3000) ou
no site www.amazon.co.uk
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