São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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Dois em um

ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO

Artistas extraordinários não precisam ser julgados por suas opiniões. Essa é uma conclusão do ator Paulo Betti, revelando-se surpreso com o texto em que David Mamet declara sua guinada política à direita, nesta entrevista ao Mais!.
Betti, que em 1989 atuou em "Perversidade Sexual em Chicago", escrita por Mamet, elogia esse e outros textos do norte-americano. Para o diretor de "Cafundó" (com Clovis Bueno, DVD Paris Filmes), Mamet "entende de trabalho de ator".  

FOLHA - Como vê a oposição política entre direita e esquerda na obra de Mamet?
PAULO BETTI
- Não acho que a obra seja sempre a expressão do que o autor pensa. Ele nem sempre consegue controlar o que quer dizer em sua obra. Nesse sentido, Nelson Rodrigues é para mim o maior enigma: escreveu uma obra revolucionária tendo opiniões políticas reacionárias. Nem sempre a gente pode levar muito a sério esse tipo de atitude.
A obra de Mamet já é muito significativa. Talvez agora ele esteja apenas expressando um desencanto político.

FOLHA - Como classifica o trabalho de Mamet?
BETTI
- Um grande dramaturgo americano contemporâneo, um diretor atilado. Ele tem diversos interesses: fez "Uma Vida no Teatro", uma peça sobre atores, "Perversidade Sexual em Chicago", "Oleanna", sobre assédio sexual. Toca em questões controvertidas, tem opinião. É um escritor especial, domina muito bem as técnicas de dramaturgia.
Entende de trabalho de ator, tem livros sobre o tema, como "Três Usos da Faca". Por exemplo, o ator que vai abrir uma porta, com a câmera apontando para sua mão. Ele contesta o método Stanislávski, pelo qual o ator deveria sentir a mão no momento e se expressar.

FOLHA - Que peças seriam bons exemplos de seu trabalho? Tem uma favorita?
BETTI
- "Edmond", "Uma Vida no Teatro", que foi representada aqui por Umberto Magnani, "Oleanna", "Sucesso a Qualquer Preço". "Uma Vida no Teatro" é ótima: a peça se passa no camarim, e o público vê os atores voltando de cena. Os atores chegam com roupas de época e comentam assuntos triviais, sobre o público. Um cara vestido como alguém da corte francesa, mas falando banalidades.
"Perversidade Sexual em Chicago", para falar a verdade, não entendi muito bem -mas não é um dramaturgo difícil.

FOLHA - Acha que sua dramaturgia não combina com o gosto do público brasileiro?
BETTI
- Em "Perversidade Sexual em Chicago" fizemos sucesso, viajamos o Brasil todo. Mas eu não apostaria em montar textos dele por aqui. Acho que fez sucesso por causa da novela "Tieta", as pessoas iam pensando em nossos personagens, Timóteo [Betti] e Osnar [José Mayer]. Osnar era conhecido por ser bem-dotado. Fico imaginando que zebra deve ter dado na cabeça das pessoas.
É um autor norte-americano... Vi "Oleanna" em Nova York. Oleanna acha que o professor a está "cantando", ele faz algo que por aqui seria quase nada, mas quase perde o emprego. Ouvi alguém gritar: "Dá logo uma porrada nela!". Lá é popular.
Também vi nos EUA "Ricky Jay and His 52 Assistants" [Ricky Jay e Suas 52 Assistentes] -as assistentes são as cartas do baralho. Era um show de mágica dirigido por Mamet.
Havia fila de espera, só consegui um ingresso depois de três meses. Quando cheguei, o lugar estava cheio daquela gente chique, de gravata-borboleta. Grande David Mamet!


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