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Dois em um
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
Artistas extraordinários não precisam
ser julgados por
suas opiniões. Essa
é uma conclusão do
ator Paulo Betti, revelando-se
surpreso com o texto em que
David Mamet declara sua guinada política à direita, nesta
entrevista ao Mais!.
Betti, que em 1989 atuou em
"Perversidade Sexual em Chicago", escrita por Mamet, elogia esse e outros textos do norte-americano. Para o diretor de
"Cafundó" (com Clovis Bueno,
DVD Paris Filmes), Mamet
"entende de trabalho de ator".
FOLHA - Como vê a oposição política entre direita e esquerda na obra
de Mamet?
PAULO BETTI - Não acho que a
obra seja sempre a expressão
do que o autor pensa. Ele nem
sempre consegue controlar o
que quer dizer em sua obra.
Nesse sentido, Nelson Rodrigues é para mim o maior enigma: escreveu uma obra revolucionária tendo opiniões políticas reacionárias. Nem sempre a
gente pode levar muito a sério
esse tipo de atitude.
A obra de Mamet já é muito
significativa. Talvez agora ele
esteja apenas expressando um
desencanto político.
FOLHA - Como classifica o trabalho
de Mamet?
BETTI - Um grande dramaturgo
americano contemporâneo,
um diretor atilado. Ele tem diversos interesses: fez "Uma Vida no Teatro", uma peça sobre
atores, "Perversidade Sexual
em Chicago", "Oleanna", sobre
assédio sexual. Toca em questões controvertidas, tem opinião. É um escritor especial,
domina muito bem as técnicas
de dramaturgia.
Entende de trabalho de ator,
tem livros sobre o tema, como
"Três Usos da Faca". Por exemplo, o ator que vai abrir uma
porta, com a câmera apontando
para sua mão. Ele contesta o
método Stanislávski, pelo qual
o ator deveria sentir a mão no
momento e se expressar.
FOLHA - Que peças seriam bons
exemplos de seu trabalho? Tem
uma favorita?
BETTI - "Edmond", "Uma Vida
no Teatro", que foi representada aqui por Umberto Magnani,
"Oleanna", "Sucesso a Qualquer Preço".
"Uma Vida no Teatro" é ótima: a peça se passa no camarim, e o público vê os atores voltando de cena. Os atores chegam com roupas de época e comentam assuntos triviais, sobre o público. Um cara vestido
como alguém da corte francesa,
mas falando banalidades.
"Perversidade Sexual em
Chicago", para falar a verdade,
não entendi muito bem -mas
não é um dramaturgo difícil.
FOLHA - Acha que sua dramaturgia
não combina com o gosto do público brasileiro?
BETTI - Em "Perversidade Sexual em Chicago" fizemos sucesso, viajamos o Brasil todo.
Mas eu não apostaria em montar textos dele por aqui. Acho
que fez sucesso por causa da
novela "Tieta", as pessoas iam
pensando em nossos personagens, Timóteo [Betti] e Osnar
[José Mayer]. Osnar era conhecido por ser bem-dotado. Fico
imaginando que zebra deve ter
dado na cabeça das pessoas.
É um autor norte-americano... Vi "Oleanna" em Nova
York. Oleanna acha que o professor a está "cantando", ele faz
algo que por aqui seria quase
nada, mas quase perde o emprego. Ouvi alguém gritar: "Dá
logo uma porrada nela!". Lá é
popular.
Também vi nos EUA "Ricky
Jay and His 52 Assistants"
[Ricky Jay e Suas 52 Assistentes] -as assistentes são as cartas do baralho. Era um show de
mágica dirigido por Mamet.
Havia fila de espera, só consegui um ingresso depois de
três meses. Quando cheguei, o
lugar estava cheio daquela gente chique, de gravata-borboleta. Grande David Mamet!
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