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Ponto de fuga
Caminhos de Roma
Jorge Coli
especial para a Folha
A Academia de França em Roma é uma velha instituição. Tem mais de quatro séculos. Este ano, comemora
um bicentenário: sua instalação na Villa Médicis, palácio do século 16, situado no alto do Pincio, uma das sete
colinas. A vista é esplêndida.
A Academia acolheu um grande número de jovens artistas vindos da França, que passavam pelo crivo do
"Prix de Rome", severo concurso. Pintores, arquitetos,
escultores, gravadores, músicos puderam, graças a ele,
aperfeiçoar-se na Cidade Eterna.
A idéia era expô-los às grandes tradições clássicas da
Antiguidade e da Renascença, aos magníficos tesouros
artísticos ali criados e acumulados ao longo da história.
Deviam impregnar-se de uma idéia elevada de belo, um
belo soberbo, vinculado aos faustos dos imperadores
ou dos papas.
O aniversário inspirou aos franceses uma exposição
que fizesse o balanço dos pensionistas da Villa Médicis
no século 19, de Ingres a Degas. Por sua vez, os italianos
pensaram que seria também ótimo mostrarem o papel
de Roma no mesmo período, como produtora de arte e
como formadora de artistas. Disso tudo resultou a mostra "Maestà di Roma", dividida em três partes: na Villa
Médicis, os artistas franceses; na Galleria Nazionale
d'Arte Moderna, Roma como centro de formação para
artistas italianos e internacionais; nas "Scuderie", do
palácio do Quirinal (que, faz pouco, se transformaram
em salas de exposições concebidas pela arquiteta Gae
Aulenti), temas e questões prevalentes no clima artístico romano daqueles tempos.
Galáxias - Pedro Américo e Victor Meirelles viveram na
Itália. Esta frase é verdadeira, mas induz a uma falsa
identidade.
Florença, para onde foi Américo, era vibrante, de um
ponto de vista político e artístico, onde os "macchiaoli"
inventavam uma pintura com pinceladas claras e livres,
que cantava o heroísmo do "Risorgimento". Roma, onde Meirelles se formou, não se tornara ainda a capital da
Itália: provinciana, arcaica, rural, católica, fechava-se
para a modernidade. Oferecia seus camponeses como
modelos pitorescos aos artistas, que se imbuíam de espiritualismo cristão, buscando uma eternidade fora do
mundo: o desenho clássico se dissolvia num platonismo etéreo. Não existe arte mais difícil de ser amada e
compreendida. Tudo se levanta contra ela: nos temas, a
religiosidade de outros tempos ou o pitoresco fácil das
cenas rurais; na forma, os valores voluntariamente antimodernos; no etos, o amor pela contemplação e a recusa da energia. Stefano Susinno, que morreu há pouco,
foi o grande conhecedor dessas obras deslembradas. Tinha razão: vencidos os preconceitos, elas impõem suas
qualidades sutis.
Mundos - Os franceses contaram, no terço que lhes
coube da mostra "Maestà di Roma", com uma plêiade
de artistas maiores: Ingres, Carpeaux, Gustave Moreau,
Géricault, Degas, entre vários. Outros, menos conhecidos, revelam força e invenção.
As duas partes restantes, ideadas pelos italianos, são
mais secretas. Os Nazarenos, pintores alemães que vieram a Roma procurando uma santidade medieval; os
Puristas, concebendo a figuração como uma consequência secundária das belas formas abstratas; os norte-americanos e ingleses, fascinados pela sensualidade
própria ao mundo mediterrâneo; os russos, trazendo
um cromatismo vertiginoso, formam alguns dos pólos
ali reunidos.
Faltou ao menos uma tela de Meirelles ("A Degolação
de São João Batista", por exemplo), demonstrando que
a irradiação da arte romana atingiu estes trópicos. Seu
mentor, Tommaso Minardi, foi, na Roma do século 19,
uma figura central. Gênio meticuloso, era sublime desenhista e pintor mágico nas dosagens de luz.
Suor - No estio romano, tudo se embebe de lentidão e
torpor. Stendhal conta uma historinha de um desses verões escaldantes: no século 18, sob um caramanchão, a
jovem princesa romana toma um sorvete. Diz: "Que delícia!". Lambe a colher. Suspira e completa: "Pena que
não seja um pecado...".
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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