São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007

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Tudo sobre o primeiro retratista da capivara

Catálogo raisonné de Frans Post reproduz os 155 quadros até agora conhecidos do artista

EVALDO CABRAL DE MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

F rans Post ganhou por fim o presente que o Brasil ainda não lhe dera. Refiro-me ao livro de Pedro e Bia Corrêa do Lago intitulado "Frans Post (1612-1680) - Obra Completa", publicado pela Capivara Editora. Ele foi, aliás, o primeiro artista a representar o animal, o que é compreensível em quem se tornou, muito antes de Telles Júnior, o pintor da várzea do Capibaribe (que significa rio das capivaras), aquela "planície clara, feita de luz aberta e de amplidão cingida, /onde o grande céu se encurva sobre verdes e verdes, sobre lentos telhados", do verso de Joaquim Cardozo, que parece tê-lo escrito sob a inspiração de uma tela de Post. Em mais de 400 páginas, os autores apresentam o catálogo raisonné dos 155 quadros (reproduzidos em cor) até agora conhecidos do artista, inclusive os que foram descobertos nos últimos 30 anos (nada menos de 20), dos seus desenhos e gravuras.
Completam o volume um estudo da trajetória pictórica de Post e a identificação das peças que compuseram a doação feita pelo conde de Nassau a Luís 14 pouco antes de morrer, em 1679. Há que mencionar também as páginas de Frederick Duparc sobre o lugar de Post na pintura holandesa do século 17 e o ensaio de George Gordon sobre seu estilo e sua técnica.
Por fim, o leitor dispõe dos resultados do trabalho da comissão de peritos que recentemente procurou determinar a autenticidade de quadros falsamente atribuídos a Post. O estudo dos Corrêa do Lago, a que não falta o faro detetivesco indispensável aos historiadores da arte, permite descartar de uma vez por todas as querelas de especialista relativas ao que é documental e ao que é decorativo na fase brasileira de Post. Como indicam os autores, suas telas visavam então juntar "o útil ao agradável": de um lado, o registro visual, ou seja, a representação das províncias que compunham o Brasil holandês; de outro, a função decorativa a que Nassau as destinou no paço do Friburgo, que construiu no Recife. (Como se sabe, o conde dividiu entre Post e Eckhout a tarefa de exibir, a olhos europeus do Seiscentos, o inusitado das conquistas sul-americanas da Companhia das Índias Ocidentais: a Post, as paisagens; a Eckhout, a flora, a fauna e os tipos humanos.)
Destes anos de Nordeste, sobrevivem 11 telas e 57 desenhos, além das 27 gravuras feitas para a história do governo nassoviano escrita por Gaspar Barlaeus e publicada em 1647. Os autores definem a relação entre elas de maneira a afastar os mal-entendidos predominantes: enquanto o desenho, servindo de base, caracteriza-se pela precisão, as gravuras mas sobretudo as telas, guardando seu valor documental, são criações mais livres.

Quatro fases
Particularmente valioso é o capítulo consagrado às quatro fases da pintura de Post entre sua chegada ao Brasil em 1637 (não se conhece obra sua anterior a ela) e sua morte em 1680, fases que os autores procuram compreender a partir inclusive das sucessivas demandas do mercado neerlandês de arte: a primeira fase (1637-1644), que corresponde à sua presença no Brasil como pintor estipendiado por Nassau; a segunda (1645-1660), em que, a partir dos seus cadernos de esboços trazidos do Recife, ele atende a uma modesta demanda de compatriotas que haviam vivido no Nordeste; a terceira (1661-1669), na qual sua especialização em paisagens brasileiras lhe assegura a preferência de um círculo de clientes interessados em temas exóticos; e por fim, a quarta fase (1670-80), que, devido à enfermidade e ao alcoolismo, está marcada pelo declínio das suas faculdades artísticas. Após seu regresso à Holanda, Post já não se acha preso às exigências do antigo patrão, adquirindo assim grande liberdade de composição, como se pode constatar nos quadros dedicados às ruínas da Sé de Olinda ou da Igreja dos Jesuítas, os quais dificilmente se compaginam com a topografia do alto da Sé, devido inclusive à ausência do mar, que, como sabe qualquer turista, oferece a visão incontornável que se descortina dali.
O estudo dos Corrêa do Lago culmina, aliás, em uma tradição nacional. Não foram holandeses, mas brasileiros cultos os que, como Oliveira Lima, Eduardo Prado, Pedro Souto Maior e mais recentemente Joaquim de Sousa Leão Filho, redescobriram Post, embora aos estudiosos estrangeiros que seguiram seus passos tenha cabido a tarefa de reintegrar sua pintura ao lugar que lhe pertencia na grande arte da Idade de Ouro neerlandesa. De Sousa Leão, reconhece Frederick Duparc, diretor da Mauritshuis, em Haia, que "devemos muito mais a esse antigo embaixador brasileiro do que a qualquer outra pessoa, pela reavaliação do pintor nos Países Baixos".
Por outro lado e como assinalam os Corrêa do Lago, sem Post "a paisagem das Américas estaria reduzida até o século 19 a um punhado de gravuras". E aduzem: "não há registro de um grupo de artistas que tenha deixado a Europa para pintar um país distante, até quase 200 anos mais tarde, no século 19, como, por exemplo, a missão francesa novamente no Brasil".


EVALDO CABRAL DE MELLO é historiador, autor de, entre outros, "Nassau - Governador do Brasil Holandês" (Companhia das Letras) e "O Negócio do Brasil" (ed. Topbooks).

FRANS POST (1612-1680) - OBRA COMPLETA
Autores:
Pedro e Bia Corrêa do Lago
Editora: Capivara (tel. 0/xx/21/ 2512-2612)
Quanto: R$ 190 (444 págs.)


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