São Paulo, domingo, 8 de fevereiro de 1998

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Alemanha festeja autor

SILVIA BITTENCOURT

especial para a Folha, de Berlim

A editora alemã Suhrkamp acaba de lançar, por ocasião do centenário de Brecht, os três últimos volumes da obra completa e comentada do dramaturgo. Eles trazem cerca de 2.400 cartas escritas por Brecht, muitas até então desconhecidas. As cartas inéditas são, principalmente, dos últimos anos de vida do dramaturgo, quando voltou do exílio para uma Europa destroçada pela Guerra.
Apesar de ter se tornado famoso já em 1928, com "A Ópera dos Três Vinténs", ele retornou à Europa, em 1947, na condição de um desconhecido, sem documento e dinheiro, nem teatro e editora. As cartas mostram, por exemplo, Brecht às voltas com a burocracia, em busca de uma nacionalidade para poder viver e trabalhar em algum país de língua alemã -os nazistas haviam, em 1935, expatriado o dramaturgo.
Depois de rodar entre Suíça, Áustria e Alemanha, Brecht adquiriu, em 1951, a nacionalidade austríaca. Mas foi em Berlim Oriental que acabou se estabelecendo e criando o seu Berliner Ensemble. A decepção, porém, veio logo. Várias cartas mostram sua preocupação com os rumos que tomavam a Alemanha dividida e o Estado socialista alemão-oriental. Reclama, por exemplo, do controle a que era submetido toda vez que cruzava as fronteiras de Berlim, na época ainda sem o Muro, mas já dividida e ocupada pelas tropas aliadas.
Nos anos seguintes ao exílio -os últimos de sua vida-, Brecht deixou de escrever peças. Acabou dedicando-se à direção das grandes obras que havia escrito antes de deixar a Alemanha -como "A Ópera dos Três Vinténs" e "Mãe Coragem"-, às suas edições e adaptações cinematográficas e, como mesmo anotou, à "administração de sua herança". Nem o refúgio no bairro berlinense de Buckow o animava mais.
As cartas recém-editadas foram escritas por Brecht entre 1913 -quando tinha 15 anos- e o dia anterior ao de sua morte, em 1956. Os destinatários são os mais variados: mulheres, amigos, colegas, autoridades e editores. "As cartas aos editores, por exemplo, mostram bem como Brecht tinha uma idéia definida do que queria para os seus livros. Até mesmo o tipo de letra ele discutia", disse à Folha, de Frankfurt, Wolfgang Jeske, um dos responsáveis da Suhrkamp pela edição das obras de Brecht.
As obras completas de Brecht editadas pela Suhrkamp contam com 30 volumes, que trazem as peças, poesia, prosa, diários e cartas. Os textos são acompanhados de comentários, que incluem anotações feitas pelo dramaturgo. A edição de textos de Brecht, na opinião de Jeske, não termina com a publicação destes últimos volumes das obras completas. "Brecht escrevia várias versões de seus textos. É sempre possível que apareça alguma coisa."
O Berliner Ensemble apresenta este mês, pela primeira vez em 40 anos, a peça "Medida", de 1930. Com esta peça, Brecht tenta justificar o assassinato de um camarada por outros camaradas por meio da da lógica revolucionária. Duas semanas antes de morrer, o dramaturgo afirmou considerar "A Medida" a peça com "a forma do teatro do futuro".
Outro destaque do BE é a peça radiofônica "O Vôo sobre o Oceano", de 1928-29, com a qual Brecht comemora a primeira travessia do Atlântico, por Charles Lindbergh, em 1927. Dirigida por Robert Wilson, a apresentação inclui encenações baseadas no texto "Paisagem com Argonautas" (1982), do dramaturgo alemão Heiner Müller (1929-1995), e no conto "Notas do Subterrâneo", do russo Fiodor Dostoiévski (1821-1881).
Berlim também apresenta exposições sobre Brecht, entre elas a de seus manuscritos. Com o título "Vinte e Duas Tentativas de Descrever um Trabalho", a exposição, aberta na Akademie der Künste (que vai até o dia 29 de março), mostra pela primeira vez de forma sistematizada manuscritos, textos datilografados e anotações tirados da biblioteca de Brecht. O espectador percebe a intensidade com que Brecht trabalhava cada texto que lia e a forma com que integrava as leituras às suas próprias obras.



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