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Alemanha festeja autor
SILVIA BITTENCOURT
especial para a Folha, de Berlim
A editora alemã Suhrkamp acaba de lançar, por ocasião do centenário de Brecht, os três últimos
volumes da obra completa e comentada do dramaturgo. Eles trazem cerca de 2.400 cartas escritas
por Brecht, muitas até então desconhecidas. As cartas inéditas são,
principalmente, dos últimos anos
de vida do dramaturgo, quando
voltou do exílio para uma Europa
destroçada pela Guerra.
Apesar de ter se tornado famoso
já em 1928, com "A Ópera dos Três
Vinténs", ele retornou à Europa,
em 1947, na condição de um desconhecido, sem documento e dinheiro, nem teatro e editora. As
cartas mostram, por exemplo,
Brecht às voltas com a burocracia,
em busca de uma nacionalidade
para poder viver e trabalhar em algum país de língua alemã -os nazistas haviam, em 1935, expatriado o dramaturgo.
Depois de rodar entre Suíça,
Áustria e Alemanha, Brecht adquiriu, em 1951, a nacionalidade
austríaca. Mas foi em Berlim
Oriental que acabou se estabelecendo e criando o seu Berliner Ensemble. A decepção, porém, veio
logo. Várias cartas mostram sua
preocupação com os rumos que
tomavam a Alemanha dividida e o
Estado socialista alemão-oriental.
Reclama, por exemplo, do controle a que era submetido toda vez
que cruzava as fronteiras de Berlim, na época ainda sem o Muro,
mas já dividida e ocupada pelas
tropas aliadas.
Nos anos seguintes ao exílio
-os últimos de sua vida-,
Brecht deixou de escrever peças.
Acabou dedicando-se à direção
das grandes obras que havia escrito antes de deixar a Alemanha
-como "A Ópera dos Três Vinténs" e "Mãe Coragem"-, às suas
edições e adaptações cinematográficas e, como mesmo anotou, à
"administração de sua herança".
Nem o refúgio no bairro berlinense de Buckow o animava mais.
As cartas recém-editadas foram
escritas por Brecht entre 1913
-quando tinha 15 anos- e o dia
anterior ao de sua morte, em 1956.
Os destinatários são os mais variados: mulheres, amigos, colegas,
autoridades e editores. "As cartas
aos editores, por exemplo, mostram bem como Brecht tinha uma
idéia definida do que queria para
os seus livros. Até mesmo o tipo de
letra ele discutia", disse à Folha,
de Frankfurt, Wolfgang Jeske, um
dos responsáveis da Suhrkamp
pela edição das obras de Brecht.
As obras completas de Brecht
editadas pela Suhrkamp contam
com 30 volumes, que trazem as
peças, poesia, prosa, diários e cartas. Os textos são acompanhados
de comentários, que incluem anotações feitas pelo dramaturgo. A
edição de textos de Brecht, na opinião de Jeske, não termina com a
publicação destes últimos volumes das obras completas. "Brecht
escrevia várias versões de seus textos. É sempre possível que apareça
alguma coisa."
O Berliner Ensemble apresenta
este mês, pela primeira vez em 40
anos, a peça "Medida", de 1930.
Com esta peça, Brecht tenta justificar o assassinato de um camarada por outros camaradas por meio
da da lógica revolucionária. Duas
semanas antes de morrer, o dramaturgo afirmou considerar "A
Medida" a peça com "a forma do
teatro do futuro".
Outro destaque do BE é a peça
radiofônica "O Vôo sobre o Oceano", de 1928-29, com a qual Brecht
comemora a primeira travessia do
Atlântico, por Charles Lindbergh,
em 1927. Dirigida por Robert Wilson, a apresentação inclui encenações baseadas no texto "Paisagem
com Argonautas" (1982), do dramaturgo alemão Heiner Müller
(1929-1995), e no conto "Notas do
Subterrâneo", do russo Fiodor
Dostoiévski (1821-1881).
Berlim também apresenta exposições sobre Brecht, entre elas a de
seus manuscritos. Com o título
"Vinte e Duas Tentativas de Descrever um Trabalho", a exposição,
aberta na Akademie der Künste
(que vai até o dia 29 de março),
mostra pela primeira vez de forma
sistematizada manuscritos, textos
datilografados e anotações tirados
da biblioteca de Brecht. O espectador percebe a intensidade com
que Brecht trabalhava cada texto
que lia e a forma com que integrava as leituras às suas próprias
obras.
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