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+ debate
Não há desperdício na produção de filmes, pois os fracassos fazem parte da viabilização dos bem-sucedidos
Economia de escala ou nada
ANDRÉ KLOTZEL
ESPECIAL PARA A FOLHA
Sou a favor de qualquer pessoa
expressar suas opiniões sobre
qualquer assunto. Críticos e
leigos. Mas argumentos amparados em pseudo-informações,
como se fossem verdades precisas e
estudadas, merecem ser desmascarados. Esse é o caso do artigo inicial,
e agora da tréplica, do sr. Carlos Alberto Dória (Mais! 03/07) sobre cinema brasileiro.
Inicialmente quero deixar claro
que, quando discuto a questão do cinema, tenho em vista que uma política para a atividade deve levar em
conta os interesses do país, e não dos
cineastas. Evidentemente, como
profissional, convivo com as muitas
dificuldades de se fazer cinema e
busco minimizá-las. Mas caso se
chegue à conclusão que, por ser
muito caro, não deve haver cinema
no Brasil, mudo de profissão.
Audiovisual e cinema são atividades industriais com conteúdo cultural, cada vez mais presentes na multiplicação dos veículos (TVs, internet, celulares). Países como os da
União Européia, Canadá ou Austrália fazem questão de ter cinema nacional. Não se escuta falar do cinema
da Bolívia, Honduras ou Congo.
Manter a diversidade e a continuidade da produção audiovisual no Brasil é, do meu ponto de vista de cidadão, questão estratégica. E toda a cinematografia ocidental, com exceção da norte-americana, sobrevive
apenas porque há participação do
Estado. Sempre.
O sr. Dória, citando a tabela da Ancine [Angência Nacional do Cinema], faz erros de leitura e graves
equívocos de interpretação. Ao dizer
que apenas 22 filmes conseguiram
bilheteria equivalente ao valor do incentivo recebido, se deixa iludir,
pois não é do ramo. A bilheteria listada naquela tabela corresponde ao
valor bruto, do qual apenas a terça
parte vai para os produtores (descontados os gastos de comercialização). Refazendo as contas, nenhum
filme brasileiro se paga por esse critério. Por outro lado, hoje se arrecada no Brasil mais com vídeo/DVD e
TV do que com salas de cinema -e
há o mercado externo. Isso não
consta nas tabelas da Ancine.
Já que o sr. Dória fala dos recursos
que estou tentando captar para meu
próximo filme, pondero utilizando
como exemplo um filme que dirigi,
"A Marvada Carne", parcialmente
financiado com recursos estatais, da
Embrafilme. O filme teve 1,2 milhão
de espectadores no cinema e não se
pagaria se fosse apenas por isso. Mas
também foi vendido para vídeo e
TV, visto comercialmente em 15 países, teve sucesso em exibições e festivais, como Cannes. Hoje, 20 anos
depois, ainda é exibido em TVs, escolas, mostras, e sempre recebo solicitações para falar sobre o filme, participar de debates etc. A pergunta é:
o Estado errou ao financiar o filme?
Para cada sucesso cinematográfico
há vários fracassos e resultados médios. Por isso a verdadeira indústria
do cinema trabalha com escala de
produção. Dos 600 filmes produzidos por ano nos EUA, apenas um
terço são produtos de exportação
que chegam ao Brasil. Dentre eles,
vários não são rentáveis, e a maioria
é muito ruim. O cinema norte-americano é bom negócio porque, além
do imenso mercado interno, detém
mais de 80% do comércio mundial.
Quando o sr. Dória diz que nunca
se investiu tanto em cinema brasileiro, é bom dimensionarmos o que se
está falando, para evitar mal-entendidos. O total de recursos investidos
em 2004 (R$ 129 milhões) equivale a
US$ 52 milhões. O custo médio de
um único filme de estúdio americano é de cerca de US$ 50 milhões -o
mesmo que toda a produção anual
de cinema no Brasil. É com essa realidade que o cinema brasileiro chega
às telas para competir.
Críticas como essas do sr. Dória
são expressão de uma atitude cíclica,
em que o cinema brasileiro é alternadamente incensado e linchado. A
retomada do cinema, iniciada há
uns dez anos, foi recebida de maneira eufórica, idealizada. Qual seria a
próxima onda desse ciclo? Desconfio que as tais "moscas que se multiplicarão" do sr. Dória podem ser
transmissoras de graves e mórbidas
doenças. Já vimos isso acontecer
com Collor, que fez a atividade regredir muitos anos, depois de uma
campanha negativa que se arrastou
por toda década de 80. Agora novamente o obscurantismo ameaça se
generalizar e classificar "a raça" dos
cineastas como formada por perdulários e perversos cidadãos, mamadores de tetas. Que as críticas sejam
feitas, mas sérias e consistentes.
O Brasil é o décimo país do mundo
em arrecadação de cinema, sétimo
em volume de público e tem potencial para crescer mais. Por suas dimensões, pode aspirar a uma cinematografia própria. Esse é o verdadeiro pressuposto para um pensamento republicano, e não o raciocínio estreito de quem nada tem a propor e só se consegue enxergar como
se vivesse em uma república de bananas.
André Klotzel é cineasta paulista, diretor
de filmes como "A Marvada Carne" (1986),
"Capitalismo Selvagem" (1994) e "Memórias
Póstumas" (1999).
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