São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2000

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+ música
Compositor central deste século, Pierre Boulez fala do ensino e interpretação da arte moderna
Estratégias da expressão

Marie-Aude Roux
do "Le Monde"

Apesar de alegar "nunca ter aprendido a reger", Pierre Boulez é um dos principais compositores e maestros da segunda metade do século. Nascido em 1925 em Montbrison, cidadezinha perto de Lyon (França), Boulez largou o estudo promissor de matemática para se dedicar à música quando tinha 17 anos. Autodidata, além de regente é também compositor, sendo figura dominante e inovadora na música de orquestra. Boulez fala também de sua atividade como pedagogo, praticada nas aulas de regência que ministra na Academia Européia de Música.

Qual o objetivo dessa academia?
Tudo partiu de uma terrível constatação no que se refere ao mundo estudantil e ao repertório contemporâneo. De fato, se as classes instrumentais são geralmente de primeira ordem, as classes de regência são em geral desastrosas. Falta de professores? Conservadorismo das instituições? Sempre me pareceu indispensável, para não dizer urgente, empreender uma exploração sistemática desse repertório e ensinar a alguns alunos escolhidos a dedo quais são os problemas técnicos específicos enfrentados pela música atual.

Então há um problema de "savoir-faire"?
De fato, não há tradição (tenho horror a essa palavra, mas a emprego de propósito). Mesmo as dificuldades técnicas de compasso, de geometria do gesto, de transmissão do fraseado, são muitas vezes completamente inusitadas. Lembro como se fosse hoje, em 1945-46, quando as pessoas regiam Webern (1883-1945): não havia nenhuma compreensão da música, do fraseado, as notas não tinham nenhum sentido, os músicos estavam perdidos...
Tudo isso agora resolvido por regentes como Simon Rattle ou Salonen!

São estes precisamente que invocam o seu testemunho!
Sim, mas são sobretudo personalidades fortes que têm uma verdadeira compreensão da música e uma gestualidade pessoal. A regência, no fundo, eu acho que se aprende e não se aprende. É preciso ser um homem ou uma mulher de comunicação. É uma questão de morfologia mental, de correspondência particular entre o físico e o espírito.

É ter aprendido sozinho que o instiga tanto a iniciar os outros?
É verdade que eu nunca aprendi a reger e que, além disso, comecei tarde. Minha carreira foi errática e eu estava longe de ser formidavelmente dotado. Houve primeiro os pequenos conjuntos de música de cena no teatro de Jean-Louis Barrault, depois os concertos do Domaine Musical. Mas seja em Stockhausen ou no "Martelo sem Mestre", tive de forjar uma técnica para mim, desenvolver capacidades de reação, compreender como organizar um ensaio, empregar o tempo de maneira eficaz, conceber uma estratégia da obra e de sua abordagem. No início, interrompemos à menor dificuldade, queremos resolver ali na hora. Depois, fazemos apelo à memória, o que confere maior liberdade aos músicos.

O que há de específico na música contemporânea?
Nas obras de repertório, o texto já é conhecido. A única questão que se põe então é a maestria do estilo e da interpretação. Na música contemporânea, é preciso saber também apresentar a obra estilisticamente, organizá-la, torná-la interessante e expressiva. No fundo, isso é o que importa. Que a obra tenha uma expressão.

Se você devesse, como Schumann, dar conselhos aos jovens regentes...
Primeiro, que se preparem mentalmente, analisem o conteúdo da partitura, tanto o expressivo quanto o estrutural. Depois, que o transmitam em termos fáceis. Um ensaio não é uma aula de composição. É preciso ser prático: os planos sonoros, o caráter, o fraseado... Se isso não bastar, se quisermos tal ou qual atmosfera poética, tal ou qual nuança de tom, podemos enfeitar um pouco. Cuidado com o uso da metáfora!

Você diz que está regendo cada vez melhor...
Sim, estou mais suave e também ouço melhor. Ou seja, estou menos preocupado comigo. No início, quando regia a "Sagração da Primavera", de Stravinski (1882-1971), pensava em não errar, em ter um belo gesto, dirigir bem todo mundo. Para mim, é preciso sempre que haja uma mudança. Não dar ordens, mas reagir à contribuição dos músicos e, se isso não coincide com o que você pensa, assimilá-lo e transformá-lo. Reger uma orquestra é como dirigir um carro: é preciso saber dar a partida, mudar as marchas e pisar no breque na hora certa, sem falar, claro, daquela parte do instinto... Tudo o que posso fazer é jogar a isca, depois que se desenvolvam por si mesmos.


Tradução de José Marcos Macedo.


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