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+ ciência
Coordenador de núcleo da Fapesp defende patentes preventivas na área da
genética, embora considere-as injustificáveis do ponto de vista doutrinário
A querela das patentes biológicas
Edgar Dutra Zanotto
especial para a Folha
Conforme previsto pelo polêmico
economista Joseph Schumpeter,
ingressamos na quinta onda tecnológica, capitaneada por informática, telecomunicações e biotecnologia -essa um campo de pesquisa em
ebulição, com as recentes descobertas de
milhares de genes e o sequenciamento de
dezenas de genomas. Essas descobertas
prometem resultar em excitantes aplicações em terapia gênica, detecção precoce
e cura de doenças. Como dizem os entusiastas, poderão ser a panacéia para diminuir o sofrimento e prolongar a vida.
Os avanços na biologia molecular têm
despertado o interesse da imprensa e do
público para o papel da ciência no bem-estar da humanidade. Empresas biotecnológicas e farmacêuticas estão à espreita de receitas bilionárias, que poderão
advir de novas terapias e medicamentos.
Essas descobertas despertam acaloradas
discussões, contando até com a intervenção do presidente dos Estados Unidos e
do primeiro-ministro da Inglaterra em
aspectos éticos da proteção intelectual e
no patenteamento de genes e genomas.
Quem "fabricou" os genes? Foram projetados e sintetizados pelo homem ou já
existiam e foram descobertos? Mesmo
que, do ponto de vista conceitual e ético,
os genes -com ou sem função conhecida- não devessem ser patenteados, empresas e pesquisadores dos países centrais estão depositando milhares de patentes (a Celera Genomics alude a 6.500).
No Brasil, o tema se reveste de significativa importância, com o sucesso de um
grupo de aproximadamente 60 laboratórios paulistas que, num esforço coordenado e financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo), em apenas dois anos, inseriu
o país no cenário mundial da genômica.
Eles conseguiram mapear e sequenciar
os genes da bactéria Xylella fastidiosa, da
doença do amarelinho, que devasta mais
de 30% dos laranjais paulistas.
O grupo também está avançando no
sequenciamento de genes expressos (ativos) em cânceres de maior incidência no
país, de genes relacionados ao metabolismo da cana-de-açúcar e do genoma da
bactéria Xanthomonas citri (cancro cítrico), além de quatro tipos de vírus.
Ocorre que a legislação brasileira não
permite o patenteamento de seres vivos.
Nossa inexperiência no trato com patentes é grande. Empresas, pesquisadores e inventores brasileiros não têm mais
que algumas dezenas de patentes concedidas pelo USPTO, escritório norte-americano de patentes, num universo de
mais de 100 mil patentes concedidas
anualmente. Visando ampliar a cultura
nacional e auxiliar os pesquisadores paulistas, a Fapesp recentemente inaugurou
o Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec).
Garantia de investimento
Todo invento original que seja útil e apresente
potencial para comercialização pode ser
patenteado, em um ou mais países, assegurando a seus titulares o direito de produção, uso ou exploração do produto ou
processo coberto pela patente nos países
em que foi patenteado. A patente incentiva uma contínua renovação tecnológica e garante retorno aos investimentos
em pesquisa das empresas do país.
A idéia por trás da patente é pôr o invento à disposição do público. A palavra
"patente", nessa acepção, vem do francês, e não do latim. "Patent", como neologismo para privilégio de invenção, é a
abreviatura da expressão "Lettre Patent", nome original do documento então emitido pelas autoridades francesas
conferindo o privilégio a alguém. Para
que o titular seja motivado a publicar sua
invenção, foram estipuladas leis que asseguram incentivos autorais por um período limitado, que varia de 10 a 20 anos.
Que invenções podem ser patenteadas?
Os estatutos norte-americanos definem
quatro tipos de inventos para fins de registro: novo processo (ou método), máquina (ou aparelho), artigo manufaturado e novas composições da matéria.
Processos ou métodos são invenções
que descrevem como fazer algo. Uma
reivindicação típica poderia ser: "método para fazer uma sopa de legumes". As
invenções de aparelhos são mais difundidas, máquinas que façam algo como
"escovar automaticamente os dentes".
Artigos manufaturados são inventos que
usualmente se referem a produtos finais,
que geralmente não têm partes móveis
(exemplo possível: "fibra óptica", com a
descrição de sua estrutura). Composições da matéria constituem o ponto mais
controverso e, geralmente, se referem às
áreas de química e biotecnologia.
Enquanto a matéria espontaneamente
existente na natureza não é patenteável,
novos compostos e composições químicas podem ser. Um vidro bioativo, sintetizado pelo homem para a substituição
de ossos e dentes, poderia ser patenteado
e já o foi (U.S. Patent 5981412). Mas não
seus elementos constituintes, por serem
naturais. É óbvio, portanto, que os elementos químicos, minerais e pedras preciosas naturais não podem ser patenteados, mesmo que novos materiais naturais venham a ser descobertos. Os leitores podem imaginar as consequências
para o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia se todos os elementos da tabela periódica tivessem sido patenteados
após as respectivas descobertas.
Numa patente se exige intervenção humana no projeto, construção, síntese ou
fabricação do produto (não confundir
com descoberta). A esses se adiciona um
quesito bastante depurado e conhecido
no meio patentário: o da suficiência descritiva. Este conceito estabelece que o documento de patente deve conter informações suficientes para que a invenção
possa ser reproduzida. Em outras palavras, há que se diferenciar invenção de
descoberta. Ambas são resultantes de
ações humanas, mas a primeira resulta
em nova composição, enquanto a segunda resulta no desvendamento de leis universais ou da estrutura de matéria natural (partículas elementares, elementos
químicos, moléculas, genes e cristais).
A despeito dos discursos e promessas
de governantes contrários ao patenteamento de genes, já há milhares dessas
patentes concedidas. O argumento mais
comum é que patentes só serão concedidas quando a funcionalidade do gene estiver bem determinada. Ora, ainda assim
trata-se de descoberta e não de invenção.
Por outro lado, é claro que diagnósticos,
terapias e medicamentos inventados a
partir da funcionalidade genética podem
e devem ser patenteados.
Como devemos proceder para proteger os recursos públicos que viabilizam
as descobertas dos cientistas brasileiros?
A resposta, ainda que a contragosto, é
óbvia: devemos, temporariamente, até
que a lógica e o bom senso prevaleçam,
adotar atitude preventiva contra a apropriação indevida das nossas descobertas,
isto é, patenteá-las.
Edgar Dutra Zanotto é professor titular da Ufscar
(Universidade Federal de São Carlos-SP), coordenador-adjunto da Diretoria Científica da Fapesp
(Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências
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