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"O Declínio dos Mandarins Alemães", de Fritz Ringer, faz análise desmistificadora do ambiente político e ideológico em que se formaram pensadores como Max Weber, Georg Simmel e Max Scheler
O ideal angustiado
Marcelo Coelho
do Conselho Editorial
O título não é dos mais convidativos. Um volume com mais de
400 páginas falando do "declínio dos mandarins alemães"
parece ter apelo apenas para um público
muito restrito de historiadores. "A Comunidade Acadêmica Alemã -1890-1933" -este o subtítulo do livro- tampouco constitui indício da amplitude e
da importância das questões que Fritz K.
Ringer irá discutir.
Mas quem quer que se interesse por temas como a democratização da universidade, o surgimento do nazismo, a crise
da cultura humanística na era tecnológica, o pensamento de Max Weber ou as
relações entre a política e a vida intelectual terá certamente muito a aproveitar
desta obra fascinante.
Todos concordamos, por exemplo,
com a tese de que o vestibular é uma
aberração. Mas é interessante ver de que
modo, na Alemanha do século 19, a extinção dos exames de ingresso nas universidades significou um poderoso instrumento de elitização, e não de democratização, do ensino. É que um lugar na
universidade era garantido a todos os
alunos que tivessem feito o chamado
"gymnasium", o ensino médio voltado
para os estudos clássicos; os alunos que
tivessem estudado em colégios técnicos e
profissionalizantes (isto é, os que não
pertenciam à elite) estavam praticamente excluídos do sistema.
Disciplina e tradição Foi-se cristalizando assim uma separação rígida, desde o ensino básico, entre os que ocupariam altos cargos na burocracia, no sistema judiciário e na própria universidade,
de um lado, e os que receberiam apenas o
ensino adequado à posição que viriam a
ocupar no sistema produtivo. Mesmo o
conteúdo das matérias do ensino primário era diferente em cada caso.
Fritz Ringer expõe com clareza e minúcia essas particularidades do sistema
educacional alemão para relacioná-las a
uma questão mais geral, que diz respeito
à sociedade alemã em seu conjunto. O
país industrializava-se rapidamente, e
com isso as distinções sociais baseadas
na riqueza, na posse de bens, se tornavam cruciais como em qualquer país capitalista. Preservava-se, entretanto, uma
outra escala de prestígio social e de poder, baseada nas distinções tradicionais
entre origem familiar, tipo de educação,
modo de vida, acesso a "bens espirituais". Classes sociais, de um lado, e estamentos, de outro.
A aliança entre a burocracia estatal e a
nobreza agrária estimulava um discurso
em torno dos valores nacionais alemães,
da disciplina, da tradição e do "espírito",
em oposição ao mundo dos interesses
"mesquinhos" da técnica, da produção,
do lucro e das reivindicações sindicais.
Com notável domínio narrativo, Ringer conduz o leitor pelo emaranhado
mundo da crítica alemã ao "mundo moderno". Uma poderosa camada universitária, composta de eruditos angustiados,
respeitados e respeitáveis, faz o elogio da
Nação, do Ideal, do Espírito contra os influxos
corrosivos do positivismo, da democracia, do
materialismo, da civilização francesa e do industrialismo anglo-saxônico.
Ringer está sempre a
um passo da ironia quando parafraseia os debates
e as construções conceituais que caracterizaram as ciências humanas na Alemanha na virada do século. Partindo de
uma visão bastante "anglo-saxônica", isto é, atenta ao dado factual, para a verificação empírica e para a clareza dos conceitos, o autor abertamente desconfia do
vocabulário teórico que acabou sendo
construído pelos intelectuais alemães.
Um termo como "Wissenschaft", que
habitualmente traduzimos por "ciência", é mantido por Ringer no idioma
original: "Wissenschaft", para os mandarins, era coisa mais nobre do que a laboriosa investigação de hipóteses num
campo delimitado do conhecimento.
Genealogia da crítica É nesse ponto que se destaca o perfil que Ringer traça de Max Weber. Certamente um "mandarim", na caracterização do autor, e
bastante inconformado com os rumos
da civilização moderna, Weber surge
também como um vigoroso defensor do
conhecimento científico
desapaixonado contra as
elucubrações retóricas de
seus pares mais conservadores.
Aprofundando-se no
debate entre a ala mais retrógrada e a ala "modernista" dos mandarins (cada vez mais acerbo e confuso à medida que irracionalismo, ressentimento nacional e crise econômica
vão plantando as sementes do nazismo),
Ringer faz um retrato bastante nítido de
todo o background político e ideológico
das famosas controvérsias teóricas em
que Weber estava envolvido.
Mais do que isto, é toda uma linhagem
intelectual, de Humboldt a Jaspers, passando por Rickert, Windelband e Dilthey, e depois por Sombart, Simmel e
Scheler, que passa por um exame acurado e, sem dúvida, desmistificador. Inspirado no próprio Weber e na sociologia
do conhecimento de Mannheim, Ringer
não hesita em relacionar as altas especulações de filósofos, sociólogos e críticos
da cultura ao contexto social, institucional e mesmo "corporativo" em que esses
se situavam.
Para nós, brasileiros, é muito esclarecedora a genealogia feita por Ringer de toda a crítica alemã ao cientificismo de inspiração inglesa; por intermédio do "marxismo ocidental", absorvemos com rapidez a aversão ao "positivismo" em todas
as suas formas. Curioso notar, por exemplo, que um conceito para nós tão lukacsiano como o da "totalidade" tem uma
longa tradição na ideologia mandarim,
que Ringer vem desmontar.
Mas não é preciso ser "positivista" nem
ignorar os dilemas em que se envolve o
projeto de uma sociologia do conhecimento no estilo de Mannheim para apreciar o impressionante feito de pesquisa,
de elucidação intelectual e de clareza expositiva levado a cabo por este livro.
Apesar da minúcia da pesquisa, é difícil
ler "O Declínio dos Mandarins Alemães"
sem sobressaltos e crescente angústia. O
caráter cada vez mais dramático da situação dos intelectuais alemães -tentando salvar o que entendiam por "cultura", mas cegos diante do fato de que essa "cultura" era também sinônimo de
exclusão- faz do livro de Ringer algo
bem mais vibrante do que seria de esperar dentro dos limites, a que o autor aliás
se atém de forma rigorosa, de uma dissertação acadêmica.
O Declínio dos Mandarins
Alemães
440 págs., R$ 52,00
de Fritz K. Ringer. Tradução de
Dinah de Abreu Azevedo. Edusp
(av. Prof. Luciano Gualberto,
374, travessa J, 6º andar, SP, tel.
0/xx/11/3818-4006).
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