São Paulo, domingo, 12 de abril de 1998

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MPB entra na era industrial

da Reportagem Local

"Música agora é tratada no Brasil como qualquer produto de consumo de massa, como sabão em pó ou sabonete." É dessa forma que o crítico de música Zuza Homem de Mello comenta a transformação por que passa a indústria da música no Brasil, como consequência principalmente da massificação dos aparelhos de som e da explosão na venda de CDs.
Houve, de fato, uma profissionalização da indústria cultural, concordam representantes das gravadoras. "O trabalho de marketing em música hoje começa antes mesmo de o disco ser gravado", diz Manolo Camero, presidente da ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos).
Essa revolução no lado industrial do setor teve reflexos importantes no tipo de música que é consumida no país.
Nos últimos dois anos, o cenário musical brasileiro foi dominado por grupos musicais e cantores considerados "populares" pelos críticos e ocorreu praticamente a "expulsão" da música estrangeira do ranking dos mais vendidos (hoje, mais de 70% dos CD e das fitas consumidos no mercado brasileiro são de MPB).
Em 1997, quem mais vendeu no mercado brasileiro foram músicos e grupos de axé, pagode e música sertaneja. Eventualmente, também entraram na lista dos mais vendidos os CDs de música para crianças. Essa tendência pode ser constatada em qualquer levantamento semanal da Nopem (Nelson Oliveira Pesquisa e Estudo de Mercado), instituto que desde 1964 coleta dados sobre vendas de discos em São Paulo e no Rio. Desde meados de 1996, todas as listagem da Nopem são muito parecidas. Na última semana de 1997, entre os 10 CDs mais vendidos em São Paulo, todos podiam ser considerados representantes da chamada música "popular" -não havia nenhum grupo de rock ou representante da MPB tradicional. Também não havia nenhum CD de músico ou grupo estrangeiros.
O exemplo mais gritante do sucesso desse tipo de música é o do grupo É o Tchan, que vendeu cerca de 7 milhões de unidades dos três CD que lançou até agora. "Esses números mostram que mesmo sendo desprezado pela elite intelectual, o grupo faz sucesso não apenas com o grande público e a crianças, mas com todo tipo de consumidor", afirma Marcelo Castelo Branco, presidente da gravadora PolyGram.
"Esse cenário significa um desastre para a música brasileira", afirma Homem de Mello. Na opinião do crítico, não sobrou espaço para os músicos de qualidade, especialmente para os que estão no início de carreira. "Se eu fosse divulgar o trabalho de um novato, acharia muito difícil. Mas também é complicado promover uma cantora como Nana Caymmi. Eu nem saberia como começar. Qual é a rádio que toca o tipo de música que ela faz, em que programa de TV ela poderia se apresentar?"
Castelo Branco acha que existe, sim, espaço para outros tipos de música que não axé, pagode e sertaneja. E exemplifica: os últimos três anos também foram bons para os músicos mais sofisticados. Cantores e compositores respeitados e prestigiados, mas que nunca foram recordistas na venda de discos, agora estariam vendendo mais do que nunca. Ele recorda o caso de Zizi Possi, que recebeu um disco de ouro e outro de platina pelo seu recente CD, feito exclusivamente com músicas italianas. Manolo Camero, por sua vez, cita como exemplos Paulinho da Viola e Chico Buarque.
Castelo Branco reconhece, porém, que a "profissionalização" do mercado de música tornou mais complicado para um iniciante se lançar nele. "Não existe uma receita pronta para um cantor fazer sucesso. Mas é preciso que ele chegue às gravadoras já apresentando um currículo, podendo provar que tem já seu público, que já fez shows, que já é profissional."
Camero diz que é uma "questão sociológica" tentar descobrir por que "as rádios, a TV, as gravadoras não prestigiam mais a MPB clássica".
A reviravolta do mercado acabou criando espaço para fenômenos originais de vendagem, como o do grupo de rap Racionais MCs, formado por músicos da periferia de São Paulo. Sem que participassem de programas de TV, sem que suas músicas fossem utilizadas em trilhas sonoras de novelas, sem que contassem com o suporte de uma grande gravadora, eles conseguiram vender quase meio milhão de cópias do seu CD "Sobrevivendo no Inferno".
(CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO)



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